Atualizado em 24/07/2024

 

Infelizmente, podemos dizer que os últimos anos não foram os melhores para os empresários brasileiros, principalmente para os pequenos e médios. Passamos por uma pandemia que impôs o isolamento social, fazendo com que os empresários ficassem, em diversos momentos, impedidos de exercer suas atividades principais, mas obrigados a honrar com as obrigações que todas as empresas têm (trabalhistas e fiscais, por exemplo).

Nesse cenário, muitas vezes, a conta acaba chegando para o consumidor, que contrata, paga e não recebe o produto ou serviço. Mas não é somente em momentos excepcionais como uma pandemia que o consumidor se vê lesado, de modo que a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no direito do consumidor torna-se essencial para se restabelecer o equilíbrio na relação de consumo. Mas o que isso significa?

Partindo de um caso hipotético no qual um consumidor compra um produto ou adquire um serviço de um fornecedor pessoa jurídica e este produto ou serviço apresenta algum defeito devendo ser substituído ou ressarcido, mas a empresa acaba fechando as portas ou não indica meios de restituição de valores, a empresa estaria servindo como escudo para calote ao consumidor.

Nesses casos, a desconsideração da personalidade jurídica no direito do consumidor pode ser uma solução viável. Esse instituto jurídico permite ultrapassar a barreira da pessoa jurídica, responsabilizando diretamente os sócios da empresa por dívidas e obrigações contraídas.

No presente texto vamos abordar os requisitos para que a desconsideração seja aplicada no contexto do direito do consumidor e como ela assegura uma proteção mais eficaz e justa aos consumidores.

 

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O que é a desconsideração da personalidade jurídica?

 

A classificação e diferenciação jurídica das personalidades (física e jurídica) permite, a alguns empresários maliciosos, usar de artifícios para, em caso de encerramento das atividades da empresa, deixar de pagar os seus credores, sem preocupar inicial com o seu patrimônio pessoal. Isso porque não se confundem pessoa física com pessoa jurídica, e se o negócio foi feito pela pessoa jurídica, é ela quem deverá arcar com as consequências e não a pessoa física por trás (sócio).

Porém, é importante para o credor e, principalmente, para o consumidor, o elo mais fraco dessa situação, saber que existem algumas exceções à regra.

Há muito já se tem no direito empresarial a figura da desconsideração da personalidade jurídica, instituto que permite atingir o patrimônio do sócio quando preenchidos requisitos impostos pela lei. Pelo Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica se opera nos seguintes termos:

 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

 

Existem, contudo, duas exceções à regra de instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica que são de suma importância para os consumidores. Uma, mais específica, para as relações devidamente caracterizadas como relação de consumo e outra, mais geral, relacionada às MEIs.

 

Desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Consumidor

 

Para tratarmos da desconsideração da personalidade jurídica no direito do consumidor e a sua aplicabilidade nas relações de consumo, precisamos primeiro definir o que configura uma relação de consumo. Pois bem, para tanto deverá haver sempre, de um lado, aquele que se qualifica como consumidor e, do outro, aquele que se qualifica como fornecedor de produtos ou serviços.

Nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Já nos termos do artigo 3º, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Dentro das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor permite a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa sempre em duas situações: 

  • Quando houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social; e
  • Quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Mas o mais importante está no §5º do artigo 28 do CDC, que diz que também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores:

 

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
(…)
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

A importância desse dispositivo para a resolução de um conflito de relação de consumo é muito grande. É uma alternativa altamente indicada para a satisfação de obrigações e créditos junto a empresas e sócios que utilizam da pessoa jurídica como forma de causar prejuízo aos consumidores, se furtando do dever legal de restituir valores ou indenizar consumidores por danos a eles causados.

Esse dispositivo permite que, em casos como de dívidas consolidadas em que a empresa não é encontrada ou não existem bens passíveis de penhora para satisfação do crédito, seja chamado ao processo a pessoa do sócio ou sócios para satisfação pessoal daquela obrigação que inicialmente pertencia à pessoa jurídica.

Todos nós conhecemos pessoas que ganharam ações contra empresas, mas quando foram receber aquilo que a justiça determinou não conseguem encontrar dinheiro ou outros bens penhoráveis. Essa frustração do consumidor pode ser resolvida se ele buscar a desconsideração da personalidade jurídica no direito do consumidor com base no §5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

 

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Desconsideração da personalidade jurídica na MEI

 

Em julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a 13ª Câmara Cível, através do voto do Desembargador Relator José de Carvalho Barbosa, destacou que a instauração de procedimento de desconsideração de personalidade jurídica é dispensável para expropriação de sócio de MEIs:

 

É que firma individual é forma de atuação de determinado profissional no mercado e não possui personalidade distinta de seu titular (CC/02, art. 966 e 967).

Veja-se:

Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único – Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.


Art. 967 – É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”.

(…)

Portanto, em se tratando de empresário individual, a figura da empresa se confunde com a da pessoa física do empresário e seu patrimônio, de forma que é possível a penhora de bens do empresário para a satisfação do crédito buscado pelo agravante, independente da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

(TJMG – Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.21.198920-7/001, Relator(a): Des.(a) José de Carvalho Barbosa, 13ª Câmara Cível, julgamento em 24/02/2022, publicação da súmula em 25/02/2022)

 

Da mesma forma, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme a ementa:

 

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO PREJUDICADA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. “SÓCIO OCULTO”. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL. AÇÃO PRÓPRIA. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA.

(…)

5. É considerado empresário individual a pessoa física que, atuando em nome próprio, exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços, sem que exista separação entre o patrimônio pessoal e aquele utilizado para o desenvolvimento de tal atividade.

6. Mesmo inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), o empresário individual não é considerado pessoa jurídica. “A empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal” (REsp 487.995/AP, Terceira Turma, DJ 22/5/2006).

7. Nesse contexto, não se pode cogitar de desconsiderar a personalidade jurídica do empresário individual para fins de extensão dos efeitos da execução à sua pessoa física (haja vista a inexistência de separação patrimonial).

8. Todavia, deve-se admitir que seja deduzida nos próprios autos, por analogia ao incidente de desconsideração de personalidade jurídica, a pretensão de extensão da responsabilidade patrimonial ao “sócio oculto”, que, no particular, segundo indicado, conduzia e administrava, de fato, a empresa individual devedora.

9. O direito de desempenhar atividade empresarial de forma individual não pode ser utilizado em violação direta ao princípio da boa-fé, a serviço da fraude ou do abuso de direito.

10. Recurso especial provido.

(REsp 2.055.325/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do julgamento: 12/09/2023)

 

As decisões judiciais destacam que MEIs ou empresários individuais, são pessoas físicas exercendo atividade econômica organizada em nome próprio, sem separação entre o patrimônio pessoal e o empresarial. Isso significa que, no caso de MEIs, os bens pessoais do empresário podem ser diretamente alvo de execução, sem necessidade de instaurar um incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

No caso específico do entendimento aplicado pelo TJMG e pelo STJ sobre MEIs, deve ser interpretado de forma extensiva, ou seja, ele se aplica para todo e qualquer tipo de credor, inclusive o consumidor.

 

Conclusão

 

A empresa, não pode servir de escudo para o empresário praticar ilícitos civis e gerar prejuízos aos consumidores credores. Obviamente que a grande maioria dos empresários quebram não por que querem, mas por inúmeros outros fatores que vão desde inexperiência administrativa até mesmo a situações como a da pandemia.

Contudo, a conta não deve ser repassada ao credor, pois o risco do negócio cabe ao empresário, principalmente quando se fala em relação de consumo, na qual é inquestionável a situação de vulnerabilidade do consumidor.

Nesses casos, a desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Consumidor surge como um mecanismo essencial para proteger os direitos dos consumidores, em especial quando há indícios de abuso ou fraude da empresa. 

Caso esteja com dificuldades para obter a devida reparação em uma relação de consumo e tenha alguma dúvida de como proceder quanto à propositura de ação, nosso escritório conta com corpo jurídico especializado em direito do consumidor e estamos aptos a te ajudar. Basta deixar seu comentário abaixo ou entrar em contato. E se você gostou do nosso conteúdo, nos avalie no Google.

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