Tem sido cada vez mais comum conhecermos uma pessoa que vem sofrendo com excesso de cobrança por telefone, e-mail, whatsapp e cartas de empresas fornecedoras de produtos e serviços. As reclamações também são sempre as mesmas, de importunação em diversos horários do dia e em todos os dias da semana. O direito de cobrar uma dívida é assegurado ao credor. Mas qual é o limite desse direito? E quando a cobrança excessiva pode ser passível de indenização por danos morais?

As grandes empresas prestadoras de serviços em massa no Brasil investem cada vez mais em tecnologia, especialmente para a parte de relação com o cliente. Robôs são programados para ligar e cobrar o cliente devedor não dando espaço para um esclarecimento por parte do suposto devedor, não aceitando respostas negativas quanto ao débito e nem mesmo descadastrando os números incorretos. Quando não é dessa forma, as cobranças são terceirizadas a outras empresas, cujo pessoal também não é nem um pouco preparado para efetuar a cobrança da forma correta. Essas situações cotidianas é que acabam ultrapassando o limite do bom senso e causando perturbações ao consumidor.

Diante desse cenário alarmante de cobrança excessiva, torna-se fundamental questionar os limites éticos e legais dessa prática invasiva. Neste texto vamos abordar como o Código de Defesa do Consumidor, a doutrina e a jurisprudência vêm abordando este tema.

 

A cobrança excessiva ultrapassa o limite ao direito do fornecedor

O Código de Defesa do Consumidor reconhece, indiretamente, o direito do credor para realizar a cobrança, porém impõe a ele, diretamente, o limite do exercício do seu direito:

 

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

 

O artigo 42 do CDC estabelece claramente que, durante o processo de cobrança, o consumidor inadimplente não deve ser exposto a situações vexatórias, constrangedoras ou ameaçadoras. Essa é uma garantia essencial para proteger a dignidade e os direitos dos consumidores, impedindo que sejam submetidos a abusos por parte dos credores.

Essa proteção legal busca equilibrar os interesses das partes envolvidas na relação de consumo, assegurando que a cobrança seja realizada de forma justa e respeitosa. Ao reconhecer o direito legítimo do credor de buscar o pagamento devido, o CDC também estabelece limites claros para evitar práticas abusivas que possam prejudicar o consumidor.

Em análise à redação do art. 42 acima citado, Daniel Amorim e Flávio Tartuce destacam sobre a cobrança excessiva:

 

“O art. 42, caput, da Lei 8.078/1990, que trata do abuso de direito na cobrança de dívidas, tem grande aplicação na prática consumerista. É a sua redação: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”. Fica clara a opção pela configuração do abuso de direito, ilícito equiparado, uma vez que a cobrança de dívidas, em regra, constitui um exercício regular de direito que afasta o ilícito civil (art. 188, inc. II, do CC/2002). No âmbito penal, todavia, a solução é pela caracterização do ilícito puro, pelo que consta do art. 71 do próprio CDC (“Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa”).

Pelo texto, veda-se, de início, a exposição do consumidor ao ridículo na cobrança de dívidas, o que deve ser analisado caso a caso, tendo como parâmetro as máximas de experiências e os padrões de conduta perante a sociedade. (…)

De fato, o uso de ligações telefônicas e o envio de cartas de cobrança, por si sós e dentro da razoabilidade que se espera, não parecem configurar o abuso de direito na cobrança, mas um exercício regular do direito por parte do credor. Todavia, em havendo exageros sociais, com quebra da ética particular, presente estará o abuso de direito, com a consequente responsabilização civil do abusador.”

 

Como os tribunais vêm decidindoem casos de cobrança excessiva

Veja a decisão do 3º Juizado Especial Cível de Brasília reconheceu abuso de direito de cobrança por parte de um fornecedor de produtos e serviços. Veja, abaixo, a parte da sentença que considera a cobrança excessiva, determinando ainda a indenização da consumidora por danos morais:

 

“No caso, observo que as cobranças direcionadas à autora estão em desacordo com a legislação, pois foram realizadas em seu local de trabalho e direcionadas a terceiros, tirando-lhe a paz e o sossego, uma vez que a colocaram numa situação aflitiva capaz de abalar o seu estado psíquico.

O abuso ou excesso na cobrança de dívida perpetrado por serviço de telemarketing, como evidenciado nos presentes autos, é suficiente para ensejar indenização por danos morais, já que o consumidor não pode ser submetido a constrangimento.

A situação delineada em muito ultrapassa os meros aborrecimentos do cotidiano, em evidente afronta ao disposto no art. 42 do CDC, o que torna procedente a indenização por danos morais pleiteada.

(…)

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais e declaro extinto o processo, com resolução do mérito, o que faço com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil para: 1) condenar a requerida a cancelar as cobranças no horário de expediente da autora no prazo de 10 (dez) dias, contados do trânsito em julgado, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 1.000,00 (mil reais); 2) condenar a requerida a pagar à requerente o valor de R$ 2.000,00 (três mil reais), a título de reparação por danos morais, corrigido monetariamente pelo INPC desde a sentença e acrescida de juros de 1% ao mês a partir da citação.”

 

Essa decisão judicial evidencia uma clara violação dos direitos do consumidor no contexto da cobrança de dívidas. O fato das cobranças terem sido direcionadas à autora em seu local de trabalho e até mesmo a terceiros demonstra um desrespeito flagrante às disposições legais e uma clara tentativa de constranger e perturbar a consumidora.

Ao reconhecer que tais práticas configuram um abuso ou excesso na cobrança de dívida, o juiz ressalta a gravidade da situação, destacando que ultrapassam os meros aborrecimentos do cotidiano. As medidas impostas à requerida, incluindo o cancelamento das cobranças no horário de expediente da autora e o pagamento de uma indenização por danos morais, refletem a preocupação do judiciário em garantir a proteção dos direitos dos consumidores e em coibir a cobrança abusiva por parte das empresas.

Em suma, essa decisão judicial reforça a importância de se respeitar os limites legais e éticos durante o processo de cobrança, e serve como um exemplo claro de que violações aos direitos do consumidor não serão toleradas pela justiça.

 

Conclusão

Não se questiona em hipótese alguma o direito do credor de cobrar o seu crédito do devedor, e também não se discute as manobras utilizadas por alguns devedores para se furtarem das obrigações de pagar, longe disso. A questão é que não existe mais para algumas empresas o limite do razoável quando o assunto é a recuperação desse crédito. Não há mais respeito ao devedor como ser humano, nem mesmo um trabalho direcionado e efetivo das cobranças administrativas. O que vemos hoje é uma cobrança excessiva aleatória, despreparada, afoita e mal educada, elementos estes que, aliados, além de não atingirem o objetivo da recuperação do crédito, são capazes de gerar prejuízo às empresas. Mas será que as empresas realmente estão preocupadas com isso?

Diante do crescente problema da cobrança excessiva, é imprescindível questionar os limites éticos e legais da relação credor-devedor. A decisão judicial apresentada reforça a necessidade de impor restrições à cobrança excessiva, reconhecendo o direito dos consumidores à paz e ao sossego. Portanto, as empresas precisam repensar suas abordagens de cobrança, adotando práticas mais humanizadas e respeitosas para que a recuperação do crédito não seja feita à custa do bem-estar dos consumidores.

É essencial que os órgãos reguladores e a sociedade como um todo estejam atentos a essas questões, garantindo um ambiente de consumo mais equilibrado e justo, onde a palavra-chave seja sempre o respeito mútuo. Caso esteja sofrendo com a cobrança excessiva e tenha alguma dúvida de como proceder, nosso escritório conta com corpo jurídico especializado em direito do consumidor e estamos aptos a te ajudar. Basta deixar seu comentário abaixo ou entrar em contato. E se você gostou do nosso conteúdo, nos avalie no Google.

WhatsApp chat