A casa própria é o sonho de qualquer brasileiro e goza, hoje, de legislação especial que a protege de eventuais ações de execução ou cobrança movida contra os proprietários, conforme se infere da Lei nº 8.009/90, conhecida popularmente como lei do bem de família. Contudo, o direito comporta interpretação das normas e isso não é diferente quando se fala na impenhorabilidade do bem de família.
Primeiramente, para entendermos o funcionamento do instituto da impenhorabilidade do bem de família temos que entender o que é penhora. Penhora é o ato judicial de “bloqueio” de patrimônio do devedor para satisfação de uma dívida. A penhora abre o caminho para venda do bem por leilão ou adjudicação pelo credor, por exemplo, para efetivação do pagamento do débito. Contudo, quando a penhora recai sobre um bem imóvel e sendo este bem o único do devedor, poderá ele alegar a sua impenhorabilidade com base na Lei nº 8.009/90.
Em seu artigo 1º, a lei dispõe que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.
Ainda dentro de referida lei, o legislador cuidou de taxar as hipóteses em que a impenhorabilidade do bem de família será afastada:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
A questão passa, então, a entender se esse rol de hipóteses do art. 3º é exemplificativo ou limitativo, bem como se caberia ao proprietário escolher se o seu único bem pode ou não ser impenhorável (renúncia à impenhorabilidade do bem de família).
Em recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, oriundo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o ministro relator Paulo de Tarso Sanseverino enfrentou a questão se posicionando acerca da limitação das hipóteses de afastamento da impenhorabilidade, bem como da impossibilidade de renúncia ao direito.
No caso posto em julgamento perante o STJ, o recorrente, proprietário do bem alegou a impenhorabilidade de seu imóvel sob o fundamento de que a hipoteca que recaía sobre o imóvel era oriunda de outra dívida com outra instituição financeira, e que a simples constituição da hipoteca não representava renúncia ao direito. Apesar de ter sido vencedor em 1ª instância, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu pela possibilidade de penhora do bem e a questão precisou então ser decidida pelo STJ.
Ao analisar o caso, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino destacou:
Portanto, diversamente do que vinha sendo considerado nas decisões anteriores, não se trata de execução hipotecária, já que o imóvel dos recorrentes não foi dado em hipoteca em favor do recorrido por ocasião da celebração do negócio jurídico cujo inadimplemento deu ensejo ao processo de execução em que foi realizada a penhora.
Conforme reconhecido pelo Banco em suas contrarrazões e anotado nos fundamentos do acórdão recorrido, fora constituída garantia hipotecária em favor de outra instituição financeira (Banco do Brasil S/A) para garantia de contrato representado pela emissão de uma cédula de crédito bancário.
Dessa forma, não se tratando de execução da hipoteca, não há que se falar na incidência da regra excepcional do artigo 3°, V, da Lei n° 8.009/90:
(…)
Neste caso, já que a garantia real fora constituída apenas em favor de outra instituição, não poderia ter sido afastada a regra de impenhorabilidade, restando violado o 1°, caput, da referida Lei:
(…)
A impenhorabilidade do bem de família decorre dos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, CF) e à moradia (artigo 6°, caput, CF), de forma que as exceções que admitem a penhora não comportam interpretação extensiva, conforme vem decidindo esta Corte Superior:
(…)
Também em razão da interpretação restritiva que deve ser dada à regra excepcional invocada pelo Tribunal a quo, não é possível afastar a impenhorabilidade diante da constituição de hipoteca pretérita em favor de outro credor.
(…)
Ademais, não se sustenta o fundamento de que os recorrentes abriram mão da impenhorabilidade quando ofereceram o imóvel em garantia a terceiro, pois se trata de benefício irrenunciável.
O que há que se destacar da decisão do relator é que antes de interpretar a lei, buscou-se entender qual a base da criação da mesma, sendo ela os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da moradia. Estes princípios constitucionais, no entender do ministro, justificam a interpretação restritiva da lei e a impossibilidade de o cidadão renunciar ao direito, cabendo, portanto, a afastamento do direito somente nas hipóteses elencadas na própria lei.
Não se defende que as dívidas não devem ser pagas e que os devedores devem ter seu patrimônio protegido. É inegável que a impenhorabilidade do bem de família é uma construção legislativa de extrema valia e importância, pois mesmo que o credor faça jus ao recebimento do seu crédito, é inadmissível que se coloque uma família na rua pura e simplesmente para essa satisfação.
Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.
Boa tarde! Tenho 01 imóvel dado como alienação Fiduciária a CEF, em virtude de um empréstimo que já paguei 1 1/2 o valor do principal é que para liquida-lo precisaria dispor de um valor praticamente igual ao que foi tirado a época. Em 2015, haviam outros bens mas o gerente da CEF optou pela minha residência que hoje, é o único bem da minha família. Tenho chance de obter a impenhorabilidade da minha casa?