O brasileiro tem como hábito a compra de imóvel através de financiamento habitacional. E como forma de garantir o empréstimo, a instituição financeira registra na matrícula do imóvel uma garantia real chamada de alienação fiduciária.

Iremos discutir nesse artigo como a inadimplência no condomínio pode ser resolvida por meio da possibilidade de penhora dos direitos aquisitivos do devedor cujo imóvel encontra-se alienado fiduciariamente.

 

A Lei 9.514/97 

 

Não há em nossos tribunais, em especial no Superior Tribunal de Justiça, um entendimento pacificado acerca da possibilidade de penhora de imóveis dado em garantia por alienação fiduciária em contrato de mútuo

Para os casos em que não se admite a penhora do imóvel, a medida a se tentar é a penhora dos direitos aquisitivos do devedor da taxa condominial/mutuário.

A Lei 9.514/97 instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, e com isso deu vigência à possibilidade de registro desta garantia real na matrícula do imóvel. Em seu art. 22, define a alienação fiduciária nos seguintes termos:

 

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. 

 

A questão aqui, é que o artigo determina que o devedor “contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Neste sentido, alguns juízes entendem que, apesar do mutuário estar na posse do imóvel e ser o devedor da taxa condominial, não seria o imóvel objeto de penhora, pois a propriedade do mesmo não é do mutuário, e sim do credor fiduciário.

 

O entendimento do STJ

 

Para entender o quão complexo é o tema, trazemos passagem do voto da i. Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial nº 2.036.289/RS, que destaca as duas teses em vigência no Superior Tribunal de Justiça:

 

  1. Quanto ao ponto, há, ao menos, dois possíveis entendimentos:
  2. I) o imóvel pode ser penhorado, devendo ser intimado o credor fiduciário sob pena de ineficácia (arts. 799, I, e 804, § 3º, do CPC/2015), hipótese na qual o produto da alienação do bem será entregue ao credor fiduciário, detraído o valor das despesas condominiais, cujo ressarcimento poderá ser cobrado do devedor fiduciante, pela via regressiva, uma vez que o débito era de sua responsabilidade;
  3. II) o imóvel não pode ser penhorado, restando ao condomínio penhorar os bens e direitos integrantes do patrimônio do devedor fiduciante, no qual não se inclui o imóvel, mas sim o “direito aquisitivo derivado de alienação fiduciária em garantia” (art. 835, XII, do CPC/2015). 

 

Porém, por sua convicção própria, da qual discordamos veementemente, entendeu aplicar-se a segunda tese:

 

  1. Todavia, deve prevalecer a segunda tese, no sentido da impossibilidade da penhora do imóvel – que até já foi adotada em sede de agravo interno por esta Terceira Turma em duas oportunidades (AgInt no REsp 1.808.154/SP, DJe 12/12/2019; e AgInt no REsp 1.823.763/SP, DJe 8/5/2020).
  2. Ressalta-se que o caráter ambulatório ou propter rem dos débitos condominiais decorre do art. 1.345 do CC/2002 e esse dispositivo não estabelece que o imóvel deve ser penhorado em toda e qualquer hipótese para pagar as referidas despesas. Na realidade, o referido dispositivo atribui a responsabilidade pelos débitos condominiais ao titular do direito real, em regra, o proprietário.

 

Não vamos adentrar ao mérito da questão, nem mesmo avaliar o posicionamento jurídico da Ministra, pois este não é o objetivo do presente texto. O objetivo aqui é demonstrar que existe a possibilidade de resolver esse impasse, que seria penhorar os direitos aquisitivos da propriedade do imóvel para pagamento do débito condominial.

Em outro julgado de relatoria da também Ministra Nancy Andrighi, Recurso Especial nº 2.015.453/MG, destacou-se a possibilidade de penhora dos direitos aquisitivos do devedor cujo imóvel encontra-se alienado fiduciariamente em favor de terceiro:

 

  1. Entre as inúmeras inovações do CPC/15 em relação à fase executiva dos processos judiciais, encontra-se a expressa permissão de penhora dos direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia (art. 835, inciso XII).
  2. Importa destacar que, nesta hipótese, a penhora não recai sobre o bem objeto do contrato, mas sobre os direitos identificáveis e avaliáveis que derivam da relação obrigacional firmada entre as partes(ALVIM, Angélica A. Comentários ao código de processo civil [livro eletrônico]. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017).

(…)

  1. Da mesma maneira, em relação aos contratos decorrentes de alienação fiduciária, afirmou-se que, “como a propriedade é do credor fiduciário, inviável recair a penhora sobre o próprio imóvel para saldar dívida do devedor fiduciante, ressalvando-se, contudo, a possibilidade de constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária pelas vias ordinárias (AgInt no REsp 1.485.972/SC, 4ª Turma, DJe 17/6/2021). 
  2. Diante do exposto, não há que se confundir as situações supramencionadas. A penhora sobre os direitos aquisitivos, portanto, incide sobre os direitos de caráter patrimonial decorrentes da relação obrigacional (promessa de compra e venda) e não sobre a propriedade do imóvel.

 

Esta possibilidade de penhora dos direitos aquisitivos é extremamente importante para os condomínios e os demais condôminos, pois é inegável que a inadimplência coloca em risco a sobrevivência de um condomínio.

Além disso, o ônus da inadimplência de um condômino não deve ser repassado aos demais, em especial quando o devedor tem direito de caráter patrimonial passível de penhora.

 

Conclusão

 

É muito comum haver inadimplência no condomínio, no entanto, se as cobranças amigáveis não surtirem efeito, o condomínio precisa tomar providências para que a situação não se agrave a ponto de prejudicar o pagamento de prestadores de serviço ou a reserva de emergência.

Como vimos, apesar de discordarmos do posicionamento que é contrário à penhora de imóvel financiado para quitar as dívidas condominiais, entendemos como solução para essa situação a possibilidade de penhorar os direitos aquisitivos do devedor – advindos do próprio contrato de financiamento.

Conhecer este tipo de alternativa para a execução da dívida é um bom exemplo de como uma assessoria jurídica é de extrema valia para auxiliar na resolução de questões burocráticas do condomínio.

Portanto, se o seu condomínio se encontra em situação semelhante ou caso tenha interesse em entender melhor sobre a penhora de direitos aquisitivos, deixe seu comentário abaixo ou entre em contato com o nosso escritório. E se você gostou do nosso conteúdo, nos avalie no Google.

 

 

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