Dois dos princípios basilares da relação de consumo são informação e transparência. Na relação de consumo, a informação sobre o produto ou serviço ofertado deve ser clara, direta e ostensiva, sem causar qualquer tipo de confusão ou induzir o consumidor a erro. O mesmo raciocínio deve ser aplicado quando falamos da inclusão do nome do consumidor nos cadastros de restrição ao crédito.
Neste artigo trataremos sobre a negativação do nome de consumidores à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o recente julgamento do STJ sobre a notificação prévia exclusivamente por email.
Negativação do nome: os bancos de dados e cadastro de consumidores no CDC
O Código de Defesa do Consumidor dedicou uma seção exclusiva para tratar dos bancos de dados e cadastros de consumidores, dispondo, no art. 43, que:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
Os dois primeiros parágrafos do art. 43 ainda definem regras gerais sobre os cadastros de consumidores bem como o procedimento que deverá ser adotado quando da abertura em desfavor deste, isto é, quando da negativação do nome em algum destes cadastros:
Art. 43 (omissis)
1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
O recurso especial n° 2.070.073/RS e a notificação do nome do consumidor por email
Em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento de que a comunicação exigida pelo §2º do art. 43 não poderá se dar exclusivamente por email. Ou seja, o mantenedor do cadastro deverá comunicar previamente o consumidor através de carta via correios.
A questão foi objeto do Recurso Especial nº 2.070.073/RS de relatoria da i. Ministra Nancy Andrighi, que iniciou seu voto destacando que:
Os bancos de dados de inadimplentes foram criados para que cumprissem importante função econômica, haja vista serem essenciais ao moderno, veloz e despersonalizado fluxo de crédito entre os consumidores e os fornecedores de produtos e serviços.
Sobre o procedimento de comunicação do consumidor, ela reiterou precedentes da Corte Superior, bem como súmulas que tratam do assunto:
Ao interpretar o referido parágrafo, a doutrina ressalta que é dever do órgão mantenedor do cadastro notificar o consumidor previamente à inscrição – e não apenas de que a inscrição foi realizada –, conferindo prazo para que este tenha a chance (I) de pagar a dívida, impedindo a negativação ou (II) de adotar medidas extrajudiciais ou judiciais para se opor à negativação quando ilegal (Cf. NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2021; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. In GRINOVER, Ada Pellegrini…[et.al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 458; MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: RT, 2019).- No mesmo sentido: REsp 1.620.394/SP, Terceira Turma,DJe de 6/2/2017; AgRg no AREsp 140.884/SP, Quarta Turma, DJe de 15/8/2012; REsp 165.727/DF, Quarta Turma, DJ de 21/9/1998, p. 196.
(…)
- Em primeiro lugar, a Súmula 359 do STJ dispõe que cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.
- Em segundo lugar, a Súmula 404 do STJ, flexibilizando a referida exigência, dispensa o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.
- Com efeito, a Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.083.291/RS, consolidou o entendimento de que, para a notificação ao consumidor da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito, basta o envio de correspondência dirigida ao endereço do devedor, sendo desnecessário o aviso de recebimento.
E a conclusão a que se chegou nesse julgado foi de que para o fiel cumprimento do disposto no § 2º do art. 43 do CDC, a comunicação não pode se dar exclusivamente por e-mail ou por SMS, cabendo o envio de carta, ainda que simples, para o endereço do consumidor:
Assim, admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail representaria diminuição da proteção do consumidor – conferida pela lei e pela jurisprudência desta Corte –, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido.(…)
- Na sociedade brasileira contemporânea, fruto de um desenvolvimento permeado, historicamente, por profundas desigualdades econômicas e sociais, não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica.
- Deve-se ressaltar que se está tratando de notificação que, se ignorada, pode acarretar profundo abalo à dignidade, à honra e ao respeito de que goza o consumidor no seio social.
- Impõe-se, portanto, uma exegese que não crie ônus desarrazoado, mas que, sobretudo, prestigie, em primeiro lugar, a proteção da parte vulnerável da relação de consumo.
- Não se pode negar, é verdade, que a utilização de e-mail e mensagens de texto via celular (SMS) representa, na atual sociedade da informação, importante avanço tecnológico. Tais recursos podem contribuir para aprimorar o relacionamento entre as partes no âmbito das relações de consumo. Não se revela lícita, no entanto, a sua utilização exclusiva como mecanismo único de notificação do consumidor acerca da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo.
Conclusão
A negativação do nome do consumidor feita indevidamente enseja responsabilidade por danos morais e está entre os direitos do consumidor mais desrespeitados, sendo, portanto, um dos processos mais comuns na Justiça.
Por isso, as empresas precisam tomar o cuidado necessário para que a inclusão do nome do consumidor nos cadastros negativos siga o procedimento correto, inclusive a notificação prévia por carta – que é obrigatória conforme entendimento majoritário do STJ.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.