Você já ouviu falar que a proposta vincula o proponente? E que o contrato faz lei entre as partes? Pois então, tudo aquilo que é prometido em contrato se torna uma obrigação a ser cumprida. Basicamente foi esse o recado dado pelo juízo da 27ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte a uma construtora.

No caso, um consumidor adquiriu imóvel de uma construtora na cidade de Belo Horizonte, sendo que constou expressamente em contrato que teria direito a duas vagas de garagem:

 

Pela leitura das cláusulas contratuais do Compromisso de Compra e Venda firmado entre as partes – Id:52170122, extrai-se que a vendedora, Lupa Construtora Engenharia Ltda. prometeu vender o imóvel constituído pelo apartamento 402, com “duas vagas de garagem”. A mesma informação constou na “Cessão de Direito e Obrigações de Promessa de Compra e Venda, firmado entre os compradores originários e a autora, com a intervenção/anuência da ré (…)
A Escritura Pública e a Certidão do Registro de Imóveis – 3º Ofício (Id:52170122) consignou apenas, em relação ao imóvel em questão, o direito de uso de uma vaga de garagem. O mesmo constou da convenção de condomínio (Id:52170122).

 

O princípio da boa fé contratual é um grande balizador das relações, devendo ser respeitado e aplicado em todas as fases do negócio (pré-contratual e pós contratual). O art. 113 do Código Civil inclusive cuidou de deixar bem clara a regra da aplicação do princípio da boa fé objetiva:

 

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

 

No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor:

 

Art. 4º (omissis)
(…)
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

 

Flávio Tartuce, grande doutrinador do Direito Civil destaca que “boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta (…)”. Dos deveres anexos ou laterais de contudo relacionados por ele destacamos os seguintes: dever de lealdade e probidade; dever de agir com honestidade; e dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio.

Ainda dentro do julgado analisado na presente matéria, restou claro que a construtora faltou com a boa fé objetiva na relação contratual, pois descumpriu a promessa feita a comprador:

 

O caso vertente, observa-se que as partes celebraram contrato de compra e venda. O negócio jurídico aperfeiçoou-se, produzindo efeito para as partes; todavia, o bem imóvel entregue à autora divergiu daquele que lhe fora prometido, pois teve suprimido direito a uma vaga de garagem.
A conduta do réu viola, ademais, a boa-fé objetiva na fase pré-contratual, uma vez que a disponibilização de duas vagas constou no contrato de compra e venda, e respectiva cessão de direitos, sendo, posteriormente, alterada quando da escritura pública, em claro comportamento contraditório.

 

Caracterizado o inadimplemento da obrigação, coube à compradora escolher entre o cumprimento forçado da promessa (entrega da 2ª vaga de garagem) ou a rescisão do contrato. No caso, ela optou pela entrega da vaga que foi concedida pela ordem judicial:

 

Ante o exposto, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES as pretensões formuladas na inicial, para impor aos réus a obrigação de fazer, consistentes na regularização do direito de uso de duas vagas de garagem para o apartamento n.º 402, devendo os réus adotarem as medidas necessárias à consequente regularização da segunda vaga, mediante retificação junto ao Condomínio e matrícula do imóvel, às expensas do primeiro réu.

 

Neste caso, a questão se tornou mais simples porque a obrigação estava estipulada em contrato, tendo sido alterada de forma maquiavélica quando da lavratura da escritura pública. Além disso, o empreendimento já possuía vaga disponível para compradora, sendo necessário apenas a regularização documental (registro da vaga na matrícula da unidade e na convenção do condomínio).

Há outros tantos casos em que as promessas são realizadas antes da assinatura da compra e venda, e inclusive sequer são incluídas nos contratos preliminares.

Para esse tipo de situação, é altamente indicado que se guarde todo o material publicitário, conversas de Whatsapp, e-mails ou qualquer outra forma de prova que demonstre que a promessa foi feita e que estava condicionando a realização do negócio. Também para estes casos, a promessa é dívida e o vendedor ou prestador de serviços terá de cumprir aquilo que prometeu.

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iTartuce, Flávio. Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

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