Administrar um condomínio, independente do seu tamanho, nunca será uma atividade fácil e tranquila. Lidar com pessoas diferentes, problemas diários e prestadores de serviço é uma tarefa que demanda muita paciência. Mesmo que o serviço prestado pelo síndico não seja o melhor para um ou vários condôminos, é preciso saber que as cobranças possuem um limite sob pena de se caracterizarem como crime contra honra ou crime de stalking.
O art. 1.348 do Código Civil define quais são as competências de um síndico, das quais destacamos:
Art. 1.348. Compete ao síndico:
I – convocar a assembleia dos condôminos;
II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
III – dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores;
VI – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
VIII – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas;
IX – realizar o seguro da edificação.
O síndico é o representante legal do condomínio investido neste cargo por meio de eleição em assembleia geral de condôminos. Na qualidade de representante a ele compete administrar o condomínio de forma conveniente à coletividade, mas também compete prestar contas de seus atos, esclarecendo as dúvidas e demandas dos condôminos.
Porém, não é incomum encontrarmos situações em que um condômino extrapola o limite do razoável e sai do campo da cobrança legítima para ofensas pessoais, acusações e ameaças que configuram verdadeiramente crime.
Veja que, cobrar esclarecimentos acerca da administração ou fatos envolvendo o dia a dia de um condomínio utilizando-se das plataformas legítimas para isso (grupo de whatsapp, e-mail, site da administradora), prezando sempre pela transparência da administração, respeitando também os limites pessoais e a honra dos envolvidos, é um direito de todo e qualquer condômino.
O pedido de esclarecimentos é legítimo e assegurado ao condômino, assim como o dever de responder é obrigação do administrador.
O limite da cobrança está na caracterização de eventual crime, dos quais destacamos calúnia, difamação, injúria e stalking:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Em um caso julgado no final do ano passado, o TJSP[1] afastou a existência de crime de stalking e indenização em favor de um síndico, reconhecendo como exercício regular de direito do condômino cobrar esclarecimentos da administração do condomínio:
As mensagens e críticas se deram no ambiente adequado, qual seja, no whatsapp do condomínio, criado para comunicação dos condôminos com a administração e e-mails dirigidos à sindica, sem exposição pública e ainda, sem que se verifique o animus injuriandi.
O fato da autora entender como injustas as críticas à sua administração e mesmo que as qualifique como excessivas, inoportunas ou deselegantes não é capaz, por si só, de caracterizar o dano moral aqui pretendido.
(…)
De início não há a ilicitude na conduta da ré.
As postagens estão dentro dos limites da liberdade de crítica e de expressão e não impingiu danos morais à autora. Foram feitas nos canais regulares destinados à manifestação dos condôminos e, ainda, não revelam conteúdo a macular a honra ou intimidade da autora.
Em tema de liberdade de expressão, a melhor doutrina é toda no sentido de que não há prevalência entre os direitos fundamentais de livre expressão, de um lado, e da honra, intimidade ou privacidade, de outro lado.
No caso concreto, não se verifica o abuso do direito de livre expressão da ré em prejuízo da imagem da autora.
Seu conteúdo não chega a ser injurioso ou calunioso, trata-se de críticas e pedidos de esclarecimento acerca da administração do condomínio que a ré considera insatisfatório.
Também ausente o tom de ameaça à integridade física ou psicológica ou intimidatória à caracterizar o stalking alegado.
É muito importante destacar que não cabe confundir a pessoa física do administrador, com o cargo de administrador do condomínio. O condômino tem o direito de questionar o administrador no exercício da sua função, porém não cabe em hipótese alguma questionar a honra, imputar fato criminoso ou até mesmo fato danoso à pessoa física do administrador.
Mais, cobrar esclarecimentos de forma legítima e no limite da comunicação não configura perseguição. Respeitar a integridade física e psicológica do síndico ao fazer os pedidos de esclarecimentos é obrigação do condômino.
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[1] TJSP; Apelação Cível 1022861-38.2021.8.26.0224; Relator (a): Silvério da Silva; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/11/2022; Data de Registro: 01/11/2022. Acesse aqui decisão na íntegra.
Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.