A aquisição de lote sempre foi um excelente negócio no mercado brasileiro dado o alto poder de valorização que o bem imóvel tem. Com a crescente valorização dos condomínios de lotes mais afastados dos grandes centros, muitos negócios são feitos e, por consequência, muitos processos são ajuizados para dirimir as mais variadas questões envolvendo as operações de compra e venda.
No presente texto vamos abordar entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da rescisão de contrato de compra e venda de lote e as consequências para as partes, em especial a indenização pela fruição do bem.
Primeiramente, quando falamos em rescisão de um contrato, regra geral, ela é motivada pelo não cumprimento de uma obrigação por uma das partes. Neste caso, responderá o devedor pelas perdas e danos, conforme determina o artigo 389, do Código Civil:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Por perdas e danos, define o Código Civil, “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar” (artigo 402).
A taxa de fruição cabe ser esclarecida conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
5. Quanto ao tema, a jurisprudência das Turmas componentes da Segunda Seção tem ressaltado que o retorno ao estado anterior pode ensejar, além da devolução do bem ao vendedor e do preço ao comprador, ressalvado o percentual de retenção, a condenação do promissário comprador a ressarcir o promitente vendedor pelo tempo que utiliza o imóvel, dele auferindo vantagens.
6. Conforme o sólido entendimento do STJ, esse tempo de utilização do imóvel é indenizado por meio da taxa de ocupação, cuja natureza jurídica coincide com a de aluguéis e se justifica pela vedação ao enriquecimento sem causa.
O elemento central da questão, então, é que a rescisão contratual faz com que as partes retornem ao estado anterior à celebração do contrato, ou seja, vendedor recebe o bem e comprador recebe o que pagou, descontado ou acrescido o que foi convencionado em contrato. Só que, quando se fala em compra e venda de imóvel, muita das vezes o comprador exerce a posse efetiva do bem enquanto o contrato de compra e venda ainda encontra-se em cumprimento. Havendo então a sua rescisão, a posse do imóvel deixa de ser justa e passa a dispensar atenção para a vedação ao enriquecimento sem causa:
8. Nesse sentido, em importante julgado a respeito da matéria, a 3ª Turma asseverou que “a utilização do imóvel objeto do contrato de promessa de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis pelo tempo de permanência, […] sob pena de enriquecimento sem causa [de forma que] o ressarcimento é devido por força da determinação legal segundo a qual a ninguém é dado enriquecer sem causa à custa de outrem, usufruindo de bem alheio sem contraprestação” (REsp 1.613.613/RJ, 3ª Turma, DJe 18/06/2018) (grifos acrescentados).
9. Na mesma linha, a e. 4ª Turma consignou em julgado igualmente relevante que “a verba para ressarcimento da ocupação, em boa verdade, consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com o rompimento da avença, mas com a utilização do bem alheio [… e com …] os benefícios eventualmente auferidos pelo comprador durante o período em que ocorreu o usufruto do bem.” (REsp 955.134/SC, 4ª Turma,
DJe 29/08/2012) (grifos acrescentados).
Mas, e quando o bem adquirido é um lote sem construção, como mensurar, então, o enriquecimento sem causa? Neste ponto o STJ entendeu que não cabe discutir um dano hipotético, pois a inexistência de qualquer construção no terreno afasta a possibilidade de se mensurar de forma clara o enriquecimento de uma parte e empobrecimento da outra parte:
15. A exigência desses requisitos foi referendada pela jurisprudência da e. Corte Especial, que, em recente julgamento, consignou que “a pretensão de enriquecimento sem causa (ação in rem verso) possui como requisitos: enriquecimento de alguém; empobrecimento correspondente de outrem; relação de causalidade entre ambos […]” (EREsp 1.523.744/RS, Corte Especial, DJe 13/03/2019) (grifos acrescentados).
16. A diminuição patrimonial do lesado, requisito para a obrigação de indenizar relacionada à vedação ao enriquecimento sem causa, corresponde: a) ao deslocamento indevido de um bem anteriormente incorporado ao patrimônio do sujeito ao patrimônio de um terceiro; ou b) ao impedimento do ingresso uma vantagem que certa e seguramente adentraria no patrimônio do sujeito e que, sem justificativa, é acrescida a patrimônio alheio.
(…)
20. Em consonância com essa orientação, a jurisprudência desta Corte salienta que “não se pode deferir reparação por lucros cessantes se estes, em casos como o dos autos, configuram-se como dano hipotético, sem suporte na realidade em exame, da qual não se pode ter a previsão razoável e objetiva de lucro, aferível a partir de parâmetro anterior e concreto capaz de configurar a potencialidade de lucro” (REsp 846.455/MS, 3ª Turma, DJe 22/04/2009 (grifos acrescentados), pois “não se compreende[m] nesta rubrica danos hipotéticos, baseados em mera expectativa de ganho, a depender de fatos eventuais e circunstâncias futuras” (EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 790.903/RJ, 4ª Turma, DJe 10/02/2014) (grifos acrescentados).
Ainda que a indenização por perdas e danos seja cabível às rescisões de contrato de compra e venda, é necessário analisar se o dano é efetivo, se trata de um lucro cessante (o que razoavelmente deixou de lucrar) ou se é meramente um dano hipotético (sem qualquer prova de que o dano existiu ou poderia existir).
O exercício da posse de um terreno ou de um lote de terra nua para ser passível de indenização por taxa de fruição depende de prova de existência de construção sobre o terreno, o que viabilizaria a aferição de eventual enriquecimento sem causa por parte do comprador. A inexistência de construção afasta a possibilidade concluir que o vendedor auferiria proveito com a cessão de uso e posse do terreno a terceiros, se não o tivesse concedido ao comprador. Do outro lado da moeda, a inexistência de construção retira do comprador a possibilidade de auferir vantagem ou proveito da sua posse, o que afasta o requisito do enriquecimento sem causa.
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[1] REsp 1936470/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 03/11/2021
Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.