Com o objetivo de tentar adiantar a herança, alguns pais optam por fazer doações em vida de bens e valores a seus herdeiros legítimos, porém o fazem sem o devido acompanhamento jurídico.

Por mais que a doação seja de fato um instituto válido no ordenamento jurídico e uma estratégia para antecipação de herança, um procedimento mal feito pode acabar gerando dor de cabeça quando ocorre a sucessão.

No presente texto, vamos esclarecer o conceito de doação e seus efeitos, principalmente após a morte, e como se faz o contrato de doação de imóvel para filhos em vida.

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O que é a doação em vida?

 

A doação é um negócio jurídico gratuito em que alguém (o doador), doa um bem específico ou mais, a outra pessoa (o donatário), sem a necessidade de qualquer contrapartida ou contraprestação, como ocorre na compra e venda. A doação está prevista no art. 538 do Código Civil:

Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

A doação poderá ser feita por instrumento público (escritura pública) ou por instrumento particular (contrato de doação).

É importante destacar aqui que o doador não poderá doar todo seu patrimônio em vida, deverá reservar o mínimo para sua própria subsistência, conforme o Código Civil:

Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

 

Doação com usufruto

 

A doação e o usufruto são institutos completamente diferentes. Como destacado acima, doação é uma espécie de contrato em que alguém doa algo a outra pessoa.

Já o usufruto é uma cláusula de direito real que o doador pode fazer constar na doação reservando um bem ou mais bens para o seu próprio uso e fruição.

Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Na prática, com o registro da doação, o donatário passa a ser o proprietário do bem, porém, os direitos inerentes à posse e a obtenção de frutos (como o aluguel), pertencem ao usufrutuário. Ou seja, na doação de imóvel para filhos em vida, a propriedade é passada aos herdeiros, mas enquanto os pais ainda viverem, terão o direito de morar ou alugar o bem.

O registro do usufruto também impede que o proprietário transfira o imóvel para terceiros.

 

Como é o processo de doação em vida?

 

A doação em vida se faz por escritura pública ou por contrato particular. Contudo, para que a operação atinja sua finalidade (transferência da propriedade) é necessário que seja da seguinte forma:

 

  • Seja feita por escritura pública; 
  • Se recolha o imposto devido (ITCMD); e 
  • Se proceda com o registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Assim, a doação de imóvel para filhos em vida só servirá para o planejamento sucessório e adiantamento da herança se cumprir estes 3 requisitos.

 

Documentos necessários

 

Os documentos necessários para a elaboração de um instrumento particular são os documentos pessoais de doador e donatário, além do título de propriedade do bem.

Para a lavratura da escritura pública, além destes, é necessário apresentar as certidões de casamento (se for o caso) e a certidão de quitação do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.

 

Como é feita a escritura de doação

 

Assim como uma escritura de compra e venda, a escritura da doação é feita em cartório de notas. E, da mesma forma, ela deve ser levada, em seguida, ao Cartório de Registro de Imóveis para que a propriedade seja transferida de fato. Isso se faz necessário justamente pela diferença entre escritura e matrícula de um imóvel.

 

Quanto custa para fazer uma doação em vida?

 

A doação gera custos referentes ao imposto ITCMD e também à lavratura da escritura pública e seu registro no cartório de registro de imóveis.

Como não há contraprestação do donatário para o doador, não existe pagamento daquele para este.

Em caso de registro de cláusula de usufruto, esta também gera custo junto ao cartório de registro de imóveis.

 

Quais são os impostos sobre doação de imóvel?

 

O imposto devido para os casos de doação é o mesmo do inventário, no caso o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.

 

Vantagens da doação de imóvel para filhos em vida

 

A doação em vida ao sucessor é entendida como antecipação de herança. A vantagem que a doação de imóvel para filhos em vida atrai é única e exclusivamente de partilha do patrimônio pelo próprio titular. Ou seja, o donatário escolhe quem, dentre os seus sucessores, irá receber aquele bem específico.

Na falta da doação, a sucessão se dará via testamento ou sucessão na forma da lei.

Sobre a doação em vida para sucessor legítimo, caso o doador não queira que o bem seja levado a discussão em eventual sucessão, deverá então incluir cláusula de não colação na doação. Esta cláusula expressa explicitamente o desejo de que o bem doado não seja levado em conta na partilha dos bens após sua morte, pois não será considerado uma antecipação da legítima (parte da herança a que os herdeiros necessários têm direito por lei).

Tenho mais de um filho, posso doar um imóvel apenas para um deles?

 

Sim, é possível. A exceção a isso diz respeito à doação integral do patrimônio que não garanta ao doador o mínimo de subsistência.

Em caso de doação a um sucessor legítimo, havendo mais bens a partilhar em caso de falecimento, aquele que recebeu o bem em vida deverá levar o bem à colação para compensar o que fizer jus na herança, exceto se a doação for gravada com cláusula de não colação.

Apesar do filho que cuida dos pais não ter mais direito à herança, um pai pode doar um imóvel para um deles como reconhecimento pelos cuidados especiais prestados. Ao incluir a cláusula de não colação na doação do imóvel, ele garante que este bem não será considerado na futura partilha de bens após seu falecimento. Assim, os outros filhos não poderão reivindicar parte do valor do imóvel doado, pois ele não será reunido ao restante do patrimônio a ser dividido.

 

Quando uma doação será considerada nula?

 

Por se tratar de uma espécie de contrato, além obviamente da disposição específica de não poder doar todo o patrimônio (art. 548, CC), o negócio também deve respeitar os requisitos comuns de validade de qualquer negócio jurídico:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

 

Qualquer imóvel pode ser doado? 

 

Todo e qualquer imóvel que estiver livre e desembaraçado pode ser objeto de doação. Antes de pensar em doar um bem é necessário verificar no seu registro se existe algum impedimento gravado na matrícula dele.

Podemos considerar impedimento: 

 

  • as garantias reais (hipoteca e alienação fiduciária), 
  • impedimentos judiciais (arresto, penhora, impedimento de transferência), e, 
  • cláusulas registradas que impeçam a transferência da propriedade (inalienabilidade).

 

Assim, para evitar problemas futuros e alegações de nulidade do negócio, o ideal é garantir que não haja nenhum impedimento do bem antes de realizar a doação de imóvel para filhos em vida.

 

Diferença entre doação em vida e herança, testamento, partilha e inventário

 

A doação em vida é um negócio jurídico praticado em vida e com efeito em vida, ou seja, tão logo o contrato é feito você já pode consumá-lo junto ao cartório.

Já o testamento é ato de disposição em vida com efeito após a morte. Neste documento, o testador dispõe sobre a forma como quer que seus bens sejam divididos, mas o seu efeito (divisão dos bens) só ocorre após o falecimento do testador.

O inventário é um procedimento legal, que pode ser judicial ou extrajudicial, para partilhar os bens deixados em razão do falecimento de alguém.

E a partilha é a consequência do inventário, ou seja, o inventário se encerra com a partilha dos bens.

Os 3 últimos conceitos estão intimamente ligados com o direito sucessório. Já a doação pode ter relação ou não.

 

Decisões interessantes dos tribunais

 

Alienação de bem de família

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. ALIENAÇÃO APÓS CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPENHORABILIDADE. MANUTENÇÃO. FRAUDE. INEXISTÊNCIA.

  1. Ambas as Turmas da Primeira Seção desta Corte Superior adotam a orientação segundo a qual a alienação de imóvel que sirva de residência do executado e de sua família após a constituição do crédito tributário não afasta a cláusula de impenhorabilidade do bem, razão pela qual resta descaracterizada a fraude à execução fiscal. Precedentes.
  2. Hipótese em que o tribunal regional, ao consignar que estaria configurada a fraude à execução com a alienação do bem imóvel após a constituição do crédito tributário, ante a desconstituição da proteção legal dada ao bem de família, posiciona-se de forma contrária a esse entendimento.
  3. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp n. 2.174.427/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 20/9/2023.)

Cláusula de dispensa de colação

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. IMPUGNAÇÃO AO PLANO DE PARTILHA. DOAÇÃO EM ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. AUSÊNCIA DE DISPENSA À COLAÇÃO. IGUALDADE DAS LEGÍTIMAS.

O ordenamento jurídico admite que a doação a herdeiros necessários não se some à legítima, correspondendo à parte disponível do doador, mas para tanto, é indispensável expressa manifestação neste sentido, bastando seja inserida a cláusula de dispensa de colação no contrato de doação ou mesmo declaração expressa no testamento se referindo àquele ato.  (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0363.16.000894-4/001, Relator(a): Des.(a) Albergaria Costa , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/10/2019, publicação da súmula em 08/10/2019)

 

Conclusão

 

Utilizar a doação em vida como forma de partilhar bens é uma estratégia, mas não necessariamente é a melhor para todo mundo. Por se tratar de um negócio jurídico, ele deve respeitar todos os requisitos comuns dos contratos, e nunca deve haver uma contraprestação do donatário para recebimento da doação.

Ainda no que tange a fins sucessórios, é sempre importante lembrar que um bem doado em vida a um sucessor legítimo deverá ser levado à colação no inventário, cabendo falar em exceção a essa regra somente nos casos em que houver cláusula de não colação.

Caso tenha alguma dúvida, nosso escritório conta com corpo jurídico especializado em direito sucessório e contratos. Estamos aptos para tratar de processos sucessórios bem como a elaboração de testamentos e contratos de doação de imóvel para filhos em vida. Basta deixar seu comentário abaixo ou entrar em contato. E se você gostou do nosso conteúdo, nos avalie no Google.

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