O financiamento habitacional é de longe a maior modalidade de aquisição de imóveis no Brasil. Isso porque ainda não se tem uma cultura forte no país de compra dos valores à vista, sendo amplamente incentivado o financiamento junto aos bancos.

Atualmente os financiamentos habitacionais são regidos pela Lei 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, institui a alienação fiduciária de coisa móvel e dá outras providências. Em seu primeiro artigo, a lei já deixa claro seu objetivo:

 

Art. 1º O Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com as da formação dos fundos respectivos. (sem grifos no original)

 

Além de instituir o SFI, a Lei 9.514/97 também instituiu a alienação fiduciária como forma de garantia dos contratos de financiamento habitacional em substituição à hipoteca muito utilizada no passado.

 

Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:
(…)
IV – alienação fiduciária de coisa imóvel.

 

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

 

Na prática, o que precisa ser entendido é que a garantia concedida a contrato de financiamento habitacional não é uma novidade implementada pela Lei 9.514/97, mas sim uma atualização. Antes da entrada em vigor de referida lei, os contratos de financiamento habitacional eram garantidos por hipoteca. Em caso de inadimplemento do contrato a instituição financeira poderia fazer uso das normas contidas no Decreto Lei 70/66, na Lei 5.741/71 ou uma execução judicial pelo rito do Código de Processo Civil.

O que nos chama atenção e motiva o presente texto é a disposição contida no §8º do artigo 26:

 

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
(…)
§ 8º O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

 

Quando mutuário encontra-se em débito com o seu contrato de financiamento, poderá o credor optar pela execução do contrato na forma da Lei 9.514/97, procedimento este que é totalmente extrajudicial, mas que deve respeitar um rito. O primeiro passo do procedimento é notificar o devedor via cartório de registro de imóveis (o que está registrado o imóvel) para satisfação do débito em 15 dias. Tendo ocorrida a notificação e não satisfeito o débito, poderá o credor fiduciário proceder com a consolidação da propriedade em seu nome. Após, deverá mandar o imóvel a leilão para venda e pagamento da dívida.

Apesar de parecer simples o procedimento, ele acaba demorando meses para ocorrer e com o isso o devedor enfrenta alguns problemas como: aumento da dívida, negativação de seu nome, perda de crédito na praça.

A importância da norma contida no §8º casa com o princípio da menor onerosidade do devedor e também com as normas e também com os procedimentos para se evitar o super endividamento .

Um contrato de financiamento habitacional normalmente é feito a longo prazo pelo mutuário (10, 20, 30 anos) e o Brasil ainda não dá à população garantias de estabilidade de emprego e renda, estando a grande maioria dos mutuários sujeitos a perda de emprego ou renda no curso desses contratos de financiamento habitacional. Sendo o imóvel a garantia do contrato de financiamento, nada mais justo que o devedor possa entregar o bem como forma de pagamento para evitar os prejuízos que a inadimplência causa à sua vida financeira.

Veja que, em processo judicial é permitido ao devedor indicar bens a penhora para pagamento de dívida, raciocínio idêntico à norma contida no § 8º do art. 26 da Lei 9.514/97. A entrega do imóvel ao credor fiduciário ainda acelera o procedimento de execução, ou seja, poderá o credor pular etapa do leilão obrigatório e já vender o imóvel dentro das condições que entende como cabível.

Porém, a entrega do bem depende de aceite do credor, o que nunca acontece e na prática só gera prejuízo ao mutuário que não consegue negociar a dívida, tem seu nome negativado ou protestado, perde o crédito na praça e fica à mercê da boa vontade da instituição financeira de tomar as medidas que achar pertinente quando quiser.

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1 Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
XI – a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas;

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