Em recente decisão proferida pela ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça  (STJ) reconheceu a impenhorabilidade de imóvel dado em caução imobiliária em contrato de locação sob o argumento de tratar-se de bem de família. A questão chama atenção em razão de a Lei do Bem de Família (Lei 8.009/90) tratar de situação de imóvel dado por fiança a contrato de locação ser exceção à regra do bem de família:

 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

O cerne da questão é justamente a diferenciação jurídica existente entre caução e fiança, sendo certo que a lei apenas afasta reconhece como penhorável o imóvel dado como fiança, conforme destacou a ministra:

 

  1. Em paralelo, mister destacar, também, que a Lei 8.245/91 inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009/90, que dispõe acerca de exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, fazendo constar que a penhora do bem de família será autorizada quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
    (…)
  1. Como se sabe, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na Lei 8.009/90, são taxativas, não comportando interpretação extensiva.
  2. Dentre elas, como se infere, não consta a hipótese da caução imobiliária oferecida em contrato de locação, razão pela qual inviável que se admita a penhora ao bem de família do recorrente.
  3. De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma, DJ 29/10/2007).

 

Conforme leciona Flávio Tartuce, fiança “é o contrato pelo qual alguém, o fiador, garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. (…) A fiança constitui uma garantia pessoal, em que todo o patrimônio do fiador responde pela dívida, não se confundindo com as garantias reais, caso do penhor, da hipoteca e da anticrese”[1]. Por outro lado caução significa qualquer tipo de garantia de uma dívida, mesmo as fidejussórias, como a fiança. Então na prática caução é gênero e fiança é espécie, por isso é que uma não se confunde com a outra.

Nesse mesmo sentido a desembargadora Nancy Andrighi afastou também a similitude da caução com a hipoteca:

 

  1. De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma, DJ 29/10/2007).
  2. Por oportuno, convém salientar que o TJ/SP reconheceu a possibilidade de penhora do imóvel oferecido como caução pelo recorrente sob o argumento de que “descabida a alegação de impenhorabilidade do bem de família, pois a caução do bem imóvel no contrato de locação (artigo 37, inciso I, da Lei número 8.245/91) configura hipoteca, que é hipótese de exceção à regra de impenhorabilidade, nos termos do artigo 3º, inciso V, da Lei número 8.009/90” (e-STJ fl. 49) (grifo acrescentado).
  3. Entretanto, sequer poder-se-ia entender que a caução imobiliária prestada configuraria hipoteca – hipótese em que o benefício da impenhorabilidade não seria oponível -, uma vez que, como mesmo perfilhado pela jurisprudência desta Corte Superior, a penhorabilidade excepcional do bem de família, de que cogita o art. 3º, V, da Lei 8.009/90, só incide em caso de hipoteca dada em garantia de dívida própria, e não de dívida de terceiro (AgInt no AREsp 1.551.138/SP, 4ª Turma, DJe 13/03/2020; e AgRg no REsp 1.543.221/PR, 3ª Turma, DJe 09/12/2015).

 

Portanto, somente pode ser penhorado imóvel dado em garantia a contrato de locação se essa garantia se apresentar como fiança. Se for como simples caução do contrato, estará o bem coberto pela regra do bem de família.

Outras hipóteses de exceção à regra do bem de família são: i) execução movida pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel; ii) pelo credor da pensão alimentícia; iii) para cobrança de impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; iv) para a execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar; e v) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória. (art. 3º da Lei 8.009/90).

 

[1] Manual de direito civil : volume único / Flávio Tartuce. – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 841/

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