Nem todo brasileiro consegue realizar a aquisição de uma casa, apartamento ou lote com pagamento à vista mediante recursos próprios. Para isso, o mercado tem admitido a famosa compra parcelada, que pode ocorrer por meio de parcelamento junto ao vendedor ou com a utilização de financiamento habitacional.

Nas hipóteses de financiamento parcelado, é legalmente aceito que sobre as parcelas ou sobre o valor da dívida incida correção monetária e juros remuneratórios ou compensatórios. Cada qual tem sua finalidade, cabendo à correção monetária conferir ao dinheiro a reposição da perda de valor decorrente da inflação e os juros remuneratórios ou compensatórios a função de gerar lucro ao credor. O que não pode existir em hipótese alguma é a cobrança indevida que coloque o comprador consumidor em situação de desvantagem.

Este foi o entendimento empregado pelo TJMG no julgamento do recurso de apelação nº 1.0000.20.512613-9/001 em que se discutia a possibilidade ou não da incidência do índice pleno da poupança mais juros remuneratórios mensais. Em seu voto, a i. Desembargadora Mônica Libânio Rocha Bretas, relatora, destacou que o art. 12 da Lei 8.177/91 reconhece que a remuneração plena da caderneta de poupança é a cumulação entre a correção monetária da TR e juros remuneratórios de 0,5%. Sendo assim, havendo mais previsão no contrato de compra e venda de juros remuneratórios, estaríamos diante de uma abusividade de direito:

 

No entanto, observa-se da cláusula 3.1 do contrasto celebrado entre as partes, que houve cumulação de juros remuneratórios de 1% (um por cento) ao mês acrescido desse índice de remuneração da caderneta de poupança, restando configurando, pois, bis in idem, uma vez que a poupança já é remunerada pela Taxa Referencial mais juros de 0,5% (cinco décimos por cento).

(…)

Ou seja, resta caracterizada a abusividade da cláusula 3.1 do contrato de compra e venda de imóvel que, ao estabelecer o reajuste das parcelas mensais a serem pagas pelo consumidor pelos índices de remuneração plena da caderneta de poupança, acrescidos de juros de 1% ao mês, restando, como já dito, configurado o bis in idem.

(…)

Assim, tenho como irregular da cumulação prevista na cláusula 3.1 do contrato celebrado entre as partes.

 

Nesse cenário de abusividade contratual que acabou levando o consumidor à inadimplência do contrato pelo aumento das parcelas de forma exponencial, o TJMG declarou rescindido o contrato por culpa da construtora, e ainda determinou a aplicação da multa pela rescisão em favor do consumidor, seguindo entendimento já pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

Neste caso, tenho como cabível a rescisão do contrato, haja vista que a cláusula de reajuste dificultou, sim, o adimplemento da devedora, ora Apelada, prejudicando ou mesmo impedindo o pagamento das parcelas contratadas.

(…)

E no caso, como já analisado, a empresa/Ré deu causa à rescisão do contrato, ao incluir cláusula contratual que, efetivamente, gerou desvantagem exagerada à compradora, aplicando-se, assim, o disposto na Súmula 543 do STJ:

(…)

Tangente à multa, mesmo que não conste do contrato sua incidência em favor do consumidor, consoante iterativa jurisprudência do STJ, em caso de inadimplemento (absoluto ou relativo), se houver omissão do contrato, cabe, pela própria necessidade de intervenção judicial para arbitramento da indenização – suprindo a lacuna contratual, no tocante à prefixação de indenização razoável para o aderente – considerar, para manutenção do equilíbrio contratual, a cláusula contratual penal (moratória ou compensatória), que prevê multa exclusivamente em benefício da promitente vendedora do imóvel. (EDcl no REsp 1631485/DF).

(…)

Assim, necessária a manutenção da multa imposta na sentença de primeiro grau, ficando prejudicadas as demais questões apresentadas no recurso (aplicação de multa e retenção de valores), ante a demonstração da responsabilidade da Apelante para com a rescisão do contrato, o que afasta as referidas pretensões.

 

Não é que o ordenamento jurídico proíba a incidência de correção monetária e juros remuneratórios ou compensatórios em um contrato de compra e venda parcelada, na verdade isso é plenamente permitido e aceito pelo judiciário. O que não é cabível é a prática de capitalização de juros ou a inclusão de cláusulas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem frente ao fornecedor de produtos e serviços, ou até mesmo que o impeça de concluir o negócio, face às armadilhas impostas pelo fornecedor.

Também não é admissível que o contrato de consumo esteja fora do pé de igualdade, estipulando penalidades somente para o consumidor e liberando o fornecedor de produtos para prática das mais variadas irregularidades e ilegalidades na relação. Nesse cenário de abusividades, cabe ao consumidor buscar o poder judiciário para equalizar o contrato e obter aquilo que lhe é de direito.

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