As relações contratuais em todo território nacional estão profundamente abaladas pela pandemia do coronavírus. A primeira alternativa deve ser, sempre, negociar os termos do contrato para que nenhuma das partes envolvidas suporte exclusivamente o prejuízo, visto que inviabilizaria a manutenção da relação. Mas se o acordo não for possível, o que fazer?

Várias são as teorias existentes em nosso ordenamento jurídico pátrio que podem responder ao questionamento acima. Mas, neste momento, vamos nos ater ao princípio pacta sunt servanda (força obrigatória dos contratos), pela qual independentemente do que ocorrer após o assinatura do contrato, as cláusulas devem ser obrigatoriamente respeitadas e cumpridas, bem como ao instituto da força maior (evento previsível, mas inevitável).

Para exemplificar, pensemos em um contrato de locação comercial. Pelo princípio da pacta sunt servanda, mesmo com a determinação do Poder Público de suspensão, por período indeterminado, das atividades de comércio, o que prejudica o locatário comerciante que depende de suas vendas para pagar as contas, o locador pode exigir o cumprimento integral do contrato sem abrir qualquer margem para negociação e revisão da locação. Afinal de contas, a determinação do Poder Público não é de sua responsabilidade e risco. Nessa hipótese, caso o locatário optasse pela rescisão do contrato antes do término do prazo, estaria sujeito ao pagamento da cláusula penal.

Por outro lado, existe o instituto da força maior que Flávio Tartuce, doutrinador de grande prestígio em matéria de Direito Civil, define ser um evento previsível, mas inevitável ou irresistível, decorrente de uma ou outra causa. Sendo então a pandemia uma hipótese de força maior (não obstante ter sido prevista sua chegada ao Brasil, sua disseminação era inevitável), seria possível, de acordo com o Código Civil, a rescisão de contratos sem ônus às partes, nos termos do artigo 393:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Como se vê, ambos os contratantes terão fundamentos jurídicos para sustentar seu posicionamento se não conseguirem chegar a uma composição amigável, cabendo ao Poder Judiciário decidir qual tese melhor se aplicará ao caso concreto.

Não obstante os argumentos acima apresentados, conforme já expusemos em outra oportunidade, somos adeptos da negociação e da manutenção dos negócios jurídicos, principalmente quando esses negócios são necessários ao fomento da economia, especialmente em tempos de crise como a que vivemos. Essa posição (manutenção dos contratos) é, inclusive, princípio de Direito Privado, denominado princípio da conservação dos contratos.

Diante disso, mesmo que seja possível a rescisão do negócio jurídico sem ônus para as partes, o princípio da conservação dos contratos nos dá a melhor solução para o caso. Nesse particular, vejam-se os artigos 317, 479 e 480, todos do Código Civil:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

O momento é, em nossa opinião, de manutenção de contratos de locação, compra e venda, prestação de serviços, mútuo, empreitada, dentre outros. É de suma importância para economia regional e nacional, pois por mais que se tenha motivos para rescisões contratuais, o desfazimento prematuro dos contratos, o entupimento do Poder Judiciário com a massificação de demandas que tenham como objetivo a rescisão é uma medida que trará apenas efeitos negativos, seja a curto, médio ou longo prazo.

O momento vivido impactou as relações contratuais como nunca se viu, cabendo a todos nós agir com boa-fé e cooperação mútua nesse momento tão sombrio para a saúde e economia mundiais.

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