A compra de um imóvel na planta é a realização de um sonho para vários brasileiros. Porém, o sonho pode acabar virando um pesadelo em duas situações: quando há atraso na entrega do imóvel e quando o saldo devedor da compra se eleva demais.

Estas duas situações ocorreram com uma compradora que viu, inicialmente, seu imóvel ser abandonado durante a fase de construção pelo construtor, só recebeu as chaves após quatro anos do prazo prometido e ainda sofreu com cobranças indevidas do valor da compra e venda. Diante de todo o impasse na resolução do caso, não restou alternativa senão recorrer ao poder judiciário.

A compradora buscou, por meio de processo, o reconhecimento do atraso na entrega, a penalidade contratual pelo atraso, indenização por danos materiais e morais, além da compensação do seu crédito neste processo com o suposto saldo devedor. Diante de um cenário de revelia da construtora, restou incontroverso o atraso que culminou com o direito às indenizações, conforme destacou a d. Juíza de Direito Raquel Bhering Nogueira Miranda da 34ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG:

 

Conclui-se, portanto, que o imóvel deveria ser entregue até dia 31/01/2016, todavia, como se depreende dos autos, o requerido não cumpriu o prazo que lhe era exigível. A autora afirma que o imóvel somente lhe fora entregue em fevereiro de 2020. A requerida é revel, ou seja, não apresentou qualquer prova ou alegação em contrário.

Ademais disso, incumbia à requerida comprovar que o imóvel fora entregue à requerente, consumidora, no prazo contratado. Associada à revelia da requerida, os elementos dos autos confirmam a alegação autoral no sentido de que houve atraso.

(…)

Ressalte-se que a requerida não comprovou 1) que entregou o imóvel dentro do prazo previsto no aditivo, ou antes da data informada pela autora (fevereiro de 2020); 2) a celebração de instrumento de rescisão/distrato da promessa de compra e venda firmada com a autora, após ter “abandonado a obra”, de forma que o vínculo contratual ainda existe; 3) que pagou os valores vinculados à multa pelo atraso na entrega do imóvel. Desse modo, deve incidir a penalidade contratual conforme a cláusula sexta, parágrafo sexto, ou seja, deve a construtora pagar, ao autor, 0,5% do valor total (omissis) por mês.

(…)

In casu, requer a autora a restituição dos valores gastos com a conclusão do empreendimento, em razão da inércia da requerida. É visível que o pagamento de valores necessários à concretização da obra, em razão da inércia da construtora, consiste em dano material emergente causado por conduta da ré, indenizável na medida de sua extensão. A autora não teria tido que despender valores com moradia se a requerida houvesse cumprido sua obrigação.

Assim, procede o pedido de indenização por dano material, a ser apurado em sede de liquidação de sentença, como solicitado na inicial.

(…)

Entendo que merece acolhimento o pedido autoral. É que em se tratando de um contrato de bem imóvel, o atraso injustificado na entrega do bem, bem ainda a paralisação das obras não se configura como simples descumprimento contratual, mas sim, caracteriza o ato ilícito omissivo e o consequente dano moral, ultrapassando em muito qualquer mero dissabor.

A conduta da requerida frustrou a legítima expectativa da autora em usufruir do imóvel próprio.

Indiscutível que, ao adquirir imóvel próprio, a consumidora se programou para usufruir do bem no prazo pactuado, de forma que, a elevada mora, associada ao abandono do empreendimento, inegavelmente lhe causou tristeza e frustração que ultrapassam o mero dissabor.

 

Após reconhecer o direito à penalidade pelo atraso e as indenizações por danos materiais e morais, reconheceu a possibilidade de amortização do saldo devedor com o proveito econômico do processo:

Dispõe o art. 368 do CC:

 

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

 

Assim, conforme expressa disposição legal, deve ser autorizada a compensação do saldo devedor em aberto vinculado ao contrato (exigível da autora),com os valores aos quais foi a requerida condenada ao pagamento em decorrência da presente ação.

Um contrato de compra e venda de imóvel é tido como um contrato bilateral, ou seja, contrato que impõe obrigações a ambas as partes. O comprador, tem a obrigação de pagar o preço ajustado, o vendedor tem a obrigação de entregar o imóvel vendido, tanto pela posse quanto pela propriedade. A partir do momento que uma das partes deixa de cumprir sua obrigação contratual, ela perde o direito de exigir o cumprimento da obrigação do outro (teoria da exceção do contrato não cumprido).

Estando o comprador em dia com sua obrigação, após vencido o prazo para entrega das chaves, não cabe mais ao construtor exigir qualquer pagamento até que cumpra com sua obrigação de entregar o imóvel. E mesmo que o cumprimento seja tardio ou se dê por terceiro, até que a obra seja entregue, incorre o construtor nas penalidades contratuais e nas indenizações cabíveis ao comprador tanto da esfera patrimonial quanto moral.

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