O instituto da usucapião é muito importante para o Direito, pois representa verdadeira aplicação do princípio da função social da propriedade. Levando para o lado popular, podemos defini-lo com a seguinte frase: O direito não socorre aos que dormem!

Em nosso ordenamento jurídico existem várias modalidades de usucapião, das quais destacamos a extraordinária, a ordinária, a especial urbana (ou constitucional) e a familiar. Cada uma delas apresenta requisitos próprios que o cidadão deve preencher para conseguir aquisição originária da propriedade. Preenchidos os requisitos, poderá, então, optar pela via judicial ou pela via extrajudicial para ter reconhecida a propriedade do bem.

Um caso de usucapião especial urbano recente chamou a atenção para a discussão sobre a possibilidade de se obter a propriedade de parte de um imóvel por quem já era proprietário da outra parte do mesmo imóvel (condomínio). No caso concreto analisado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi firmado o entendimento de que essa copropriedade não o impedia a busca da prescrição aquisitiva dos outros 50% do bem.

Apesar de ter visto a improcedência de seu pedido nas 1ª e 2ª instâncias, o autor conseguiu vitória da sua tese e seu direito junto ao STJ:

 

A controvérsia, portanto, gira em torno de definir se o fato de os recorrentes serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo corresponde a possuir “outro imóvel” urbano, faltando-lhes um dos requisitos do artigo 1.240 do Código Civil.
Como enfatiza Arnaldo Rizzardo, os constituintes, ao delinearem a usucapião especial urbana, tinham como preocupação contemplar as pessoas sem moradia própria, daí a exigência de não ser proprietário de outro imóvel. (Direito das Coisas. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2021. Ebook. 9788530990886. Disponível em: https://stj.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530990886/. Acesso em: 31 ago. 2022).
Sob essa perspectiva, o fato de os recorrentes serem proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não parece constituir o impedimento de que trata o art. 1.240 do Código Civil, pois não possuem moradia própria, já que eventualmente teriam que remunerar o coproprietário para usufruir com exclusividade do bem.
(…)
Ademais, os recorrentes adquiriram metade do imóvel, adimpliram com todas as taxas e tributos incidentes sobre ele, realizaram benfeitorias, agindo como proprietários exclusivos, como destaca o ilustre representante do Parquet em segundo grau:
(…)
Assim, tendo os recorrentes (i) permanecido no imóvel durante ao menos 30 (trinta) anos, de 1984 até 2003, data da propositura da ação, sem contrato de locação regular, (ii) sem ter pagado alugueres, (iii) tendo realizado benfeitorias, (iv) tendo se tornado proprietários da metade do apartamento, (v) adimplido com todas as taxas e tributos, inclusive taxas extraordinárias de condomínio, não há como afastar a hipótese de transmudação da posse, que passou a ser exercida com animus domini.

 

Importante destacar sobre esse caso a interpretação dada pelo tribunal superior acerca da norma contida no art. 1.240 do CC. Um dos requisitos marcantes da usucapião especial é o proponente não ser proprietário de outro bem imóvel.

No julgado, a Terceira Turma, com muita propriedade, deu uma interpretação sistemática ao artigo ao dizer que possuir 50% do bem não significar ter o bem como casa própria para moradia familiar (função social da propriedade). Isso porque a ocupação de um imóvel de copropriedade implica em pagamento de indenização equivalente a um aluguel ao outro coproprietário.

Além disso, a lei hoje assegura ao cônjuge abandonado o direito de usucapir a quota parte do outro cônjuge pela modalidade de usucapião familiar (art. 1.240-A), o que demonstra que o intuito do legislador é e sempre foi privilegiar às famílias o direito à casa própria.

Confira, aqui, a decisão.

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