Recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a existência de união estável de um casal em paralelo ao casamento válido do companheiro falecido. Além de reconhecer a união estável, garantiu à companheira o direito à meação dos bens adquiridos na constância da união estável.

O caso chama bastante atenção simplesmente pelo fato de dar validade a uma relação fática (união estável) paralela à situação jurídica (casamento). Pela regra do Código Civil, há primazia da monogamia no ordenamento pátrio cabendo somente o reconhecimento de uma união paralela após a separação de fato ou judicial do casal.

Não é comum conhecermos mais tantos casais separados judicialmente, pois há possibilidade de formalização do divórcio direto de forma judicial ou extrajudicial. A separação, ao contrário do divórcio, não extingue a relação jurídica, apenas afasta os corpos e os patrimônios constituídos na constância da própria separação.

A união estável é tida mais como uma relação de fato, ou seja, ela se constitui mediante a comprovação de uma situação fática em que pessoas se unem com intuito de constituir família. Diferentemente do casamento, a união estável se dá por reconhecimento judicial, ou por declaração das partes em cartório.

No caso concreto, a autora da ação contou que se relacionou por mais de 14 anos com o parceiro, enquanto ele mantinha-se legalmente casado – e até que morresse, em 2011. Ela afirmou que os dois moraram juntos em algumas cidades do Rio Grande do Sul e no Paraná.

No julgamento do caso, quatro desembargadores votaram favoravelmente ao reconhecimento da união estável cabendo destaque para o voto exarado pelo desembargador relator que destacou que:

 

“… deixando de lado julgamentos morais, certo é que casos como o presente são mais comuns do que pensamos e merecem ser objeto de proteção jurídica, até mesmo porque o preconceito não impede sua ocorrência, muito menos a imposição do ‘castigo’ da marginalização vai fazê-lo”.

 

E continuou salientando que:

 

“… havendo inércia do legislador em reconhecer a simultaneidade familiar, cabe ao Estado-juiz, suprindo essa omissão, a tarefa de análise das particularidades do caso concreto e reconhecimento de direitos”.

 

Também importante o voto proferido pelo desembargador Rui Portanova: “Não vejo como justo que um relacionamento que durou décadas, e que era de todos conhecido, pode simplesmente ser apagado do mundo jurídico”, disse ele. “A partir desse ponto de vista, é preciso buscar a interpretação da regra que melhor se aproxima do direito posto sem, contudo, permitir que qualquer das partes obtenha vantagem em detrimento do direito da outra”.

Na mão contrária a esse entendimento, o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos pontuou que o reconhecimento dessa união estável traria um desequilíbrio ao ordenamento uma vez que um outro casamento juridicamente não poderia ser reconhecido:

 

“Se não são admitidos como válidos dois casamentos simultâneos, não há coerência na admissão de uma união de fato (união estável) simultânea ao casamento – sob pena de se atribuir mais direitos a essa união de fato do que ao próprio casamento, pois um segundo casamento não produziria efeitos, enquanto aquela relação fática, sim.”

 

A verdade é uma só, mas o fato pode ser interpretado de várias maneiras. Direito não é uma ciência exata e a lei nunca conseguirá abarcar todas as situações da vida, por isso é que cabe aos operadores do direito buscar a solução dos conflitos fazendo-se valer das normas e dos princípios legais.

Por mais absurda que seja para muitos a resolução desse caso, de fato a situação vivenciada ali naquele processo é algo que acontece em várias e várias famílias em nosso país. Não se trata simplesmente de uma proibição à bigamia ou de uma liberação aos relacionamentos extraconjugais, mas sim de garantir o mínimo de dignidade às pessoas e às células familiares que muitas vezes envolvem até crianças. E como não há lei para regular, cabe ao judiciário fazer esse trabalho.

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