Os condomínios podem ser considerados uma microsociedade dentro de uma sociedade. Apesar de termos um capítulo no Código Civil destinado exclusivamente a condomínios, com 29 artigos tratando de direitos e deveres, ainda assim podemos dizer que a lei está bem longe de dirimir todas as questões que envolvem a vida de um condomínio edilício.

Uma decisão recente da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais chamou bastante atenção para situações complexas que envolvem direito de representação dos condôminos perante o construtor para casos que envolvam vício construtivo das áreas comuns do empreendimento. Antes de adentrarmos efetivamente ao mérito da decisão precisamos trazer alguns conceitos importantes.

O primeiro conceito que deve ser sempre lembrado é o que o Código Civil dá para os condomínios edilícios:

 

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

 

A compreensão do que é um condomínio edilício vai além da interpretação literal do artigo. Condomínio edilício nada mais é do que uma construção donde se encontram partes de propriedade exclusiva ou privativa (apartamentos) e partes que são de propriedade comum dos condôminos (hall, entrada, estacionamento, etc). O mesmo artigo supra citado cuida de delimitar um pouco do que seja a parte comum de um condomínio e o que é parte exclusiva em seus parágrafos.

Para que esse condomínio possa ter organização e administração (assim como uma sociedade), deverá ser constituída uma convenção de condomínio, conforme preceitua o art. 1.333:

 

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Um dos requisitos obrigatórios da convenção é prever a forma de administração do condomínio (art. 1.334, II, CC), que por regra geral é composta de um síndico e um conselho fiscal/consultivo. Esse corpo administrativo eleito por assembleia especialmente convocada para isso para a ter legitimidade para representar o condomínio nos termos da convenção e da lei. Inclusive, este direito de representação resguardado ao síndico é o que lhe permite praticar atos da vida civil em nome do condomínio, ainda que muitos entendam que os condomínios edilícios não tenham personalidade jurídica (não são pessoas jurídicas).

Retornando ao caso levado a julgamento perante o Tribunal de Justiça, a controvérsia pairava sobre três pilares específicos: vício construtivo, decadência, e defesa de direitos individuais homogêneos.

No caso específico o condomínio demandou contra a construtora do empreendimento buscando reparo de vícios construtivos nas áreas comuns do empreendimento, devidamente identificados por um laudo técnico. Em sede de defesa, a construtora arguiu ter havido a preclusão do direito do condomínio de reclamar pelos vícios construtivos através do instituto jurídico da decadência.

Ao analisar o caso, o desembargador José Marcos Rodrigues Vieira, relator do recurso, destacou o reconhecimento do condomínio como consumidor na relação em face à construtora, e o seu papel como legitimado a defender direitos individuais homogêneos dos seus condôminos:

 

Ab initio, verifica-se que o condomínio autor ajuíza a demanda contra a construtora, para que sejam sanados vícios construtivos constantes do edifício sub judice.
A toda evidência, o Condomínio atua na defesa do interesse comum de seus condôminos, em outras palavras, atua na tutela de direitos individuais homogêneos de seus moradores.
Assim, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inegável a incidência do Código de Defesa do Consumidor na espécie:
(…)
É dizer: o condomínio, em caso como o presente, insere-se no conceito de consumidor equiparado, previsto no parágrafo único do art. 2º do CDC. Trata-se de posicionamento que melhor se amolda à tutela jurídica de consumo, tanto no aspecto material (definição de consumidor), como no processual (processo de cunho coletivo para proteção de direitos individuais homogêneos).

 

O Código de Defesa do Consumidor qualifica direitos individuais homogêneos como aqueles que decorre de origem comum. No caso do vício construtivo de um condomínio, o direito dos condôminos, detentores da área comum é de origem única, por isso é que o condomínio tem a legitimidade para demandar. Esse ponto sanou a legitimidade do condomínio para buscar a resolução de questões que tratem de direito individual dos condôminos, mas homogêneo pela origem.

E a decisão seguiu para afastar a decadência do direito de reclamar, levando em consideração pontos temporais importantes para se fixar o momento a partir do qual se reconhece que nasce o direito reclamar o vício construtivo:

 

Em tal linha, na esteira da jurisprudência dominante, vício é o que afeta apenas a funcionalidade do produto ou serviço. Para além de tal quadrante jurídico, o que se tem é acidente de consumo, a ensejar, não o prazo decadencial constante do art. 26 do CDC – in casu, com suporte no diálogo das fontes ou diálogo de complementaridade, prazo constante do art. 618, § único, do Código Civil, pois favorável ao consumidor -, mas o prazo prescricional do art. 27 do CDC, que flui da ciência do dano e da autoria.
E, conforme visto, o conhecimento inequívoco do dano, com descrição minuciosa dos problemas que acometem todos os blocos do Condomínio, só aconteceu após a lavratura de laudo técnico do ano de 2017, base da qual se podem bem delimitar a causa de pedir remota e os pedidos. Sem o parecer de profissional do ramo de engenharia, não se poderia inferir a intercorrência de vícios estruturais no edifício, por exemplo.
Por outro lado, mesmo que se considerasse apenas vício de produto/serviço, o caso igualmente não desperta decadência. Ante a natureza coletiva da tutela pleiteada, não flui o prazo decadencial da ciência dos condôminos acerca dos vícios, aparentes ou ocultos, antes de qualquer notícia em ata de condomínio. O efetivo conhecimento dos vícios por todos os moradores só ocorre depois da discriminação minuciosa constante do laudo de vistoria.

 

Não se pode exigir de um condômino ou até mesmo do síndico do condomínio o conhecimento técnico especifico acerca de vícios construtivos que aparecem constantemente nas edificações. A delimitação do tipo do vício, da causa, da medida cabível e da urgência do reparo demandam conhecimento técnico específico, nesse sentido então é que entendeu o e. TJMG pela não incidência da decadência, haja vista que a delimitação do dano só se deu após a concretização do laudo técnico.

Os pontos destacados no acórdão deve ser levados com todo administrador de condomínio. A identificação de vícios construtivos demanda uma posição ativa imediata. É necessário comunicar o construtor imediatamente após o conhecimento do fato, se necessário buscar auxílio técnico específico (engenheiro) para mensurar o tamanho do problema, os danos, o reparo necessário e a urgência, bem como tomar as medidas judiciais cabíveis, caso a questão não se resolva administrativamente junto ao construtor.

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