Contratos são feitos para serem cumpridos! Este é o principal ponto que toda parte contratante pensa quando vai assinar o contrato e quando pretende cobrar uma prestação não adimplida pela outra. O não cumprimento de obrigação contratual gera, para a parte inocente, o direito de executar o cumprimento da obrigação ou rescindir o contrato[1]. Neste caso, as consequências financeiras podem ser preocupantes com aplicação de cláusula penal e perdas e danos. 

Pegando como base um contrato de compra e venda temos para classificação do mesmo como um contrato bilateral. Essa classificação ou característica não diz respeito à existência de duas partes (comprador e vendedor), mas da existência de obrigações distintas para ambas as partes. O vendedor se obriga a entregar o bem prometido à venda e o comprador se obriga a pagar o preço ajustado para aquisição do bem. Se ambas as partes deixam de cumprir com suas obrigações contratuais, quem tem direito ao que e como então se opera a rescisão contratual?

Neste caso, ambas as partes podem pedir a rescisão, porém a hipótese de culpa recíproca afasta incidência de responsabilidades, e como isso não há que se falar em incidência de penalidade contratual nem de perdas e danos. Isso foi o que decidiu a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[2]:

 

É dizer que, se uma das partes não cumpre integralmente a obrigação contratada, no caso em apreço o pagamento pelo promissário comprador e pelo promissário vendedor o cumprimento do contrato abstendo-se de vender a terceiro sem que haja prévia rescisão, não pode pretender atribuir à outra parte a responsabilidade integral pela ruptura do pacto, uma vez que ambas contribuíram para a rescisão do pacto, como no caso dos autos.
Dessa forma, uma vez rescindido o contrato, o retorno das partes ao status quo ante emerge como decorrência lógica, devendo ser determinada a reintegração da posse do bem ao réu/apelado e a restituição dos valores pagos ao autor/apelante, inclusive os valores referentes às 24 parcelas pagas do Consórcio GPM (omissis), haja vista o réu não ter se insurgido contra o referido valor, implicação esta pelo retorno ao status quo ante. 

 

Ainda que as cláusulas penais sejam válidas de pleno direito, a culpabilidade, elemento necessário nessa relação para identificar quem deu causa à rescisão é aplicável a ambas as partes que deixaram de cumprir com suas obrigações. Não se trata aqui de dizer que a culpa é exclusiva de comprador ou de vendedor, mas de uma contribuição expressiva de ambas as partes para que o negócio não se concretizasse da forma como contratado. Nesse caso, não é a cláusula penal que resolve, mas sim o retorno da relação ao status quo ante.

O afastamento da culpabilidade neste caso se dá pela teoria da exceção do contrato não cumprido, conforme destacado no acórdão:

 

Mister salientar que não pode uma das partes alegar o descumprimento do contrato em razão do inadimplemento da outra, por força do artigo 476 do Código Civil, segundo o qual “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro“.

 

O desfecho da questão foi a restituição de todo o valor pago pelo comprador ao vendedor mais as parcelas do consórcio adimplidas pelo comprador, e o retorno do imóvel ao vendedor.

Quanto às perdas e danos o Tribunal foi enfático ao afirmar que “condenar o autor/apelante à restituição ao réu/apelado das prestações finais do Consórcio GPM seria forçá-lo a realizar o pagamento de consórcio de imóvel alheio, que não lhe pertence e, por conseguinte, tal medida impõe-se por respeito ao princípio da vedação ao enriquecimento ilícito.”

Portanto, mesmo que o contrato tenha seja válido, as partes capazes, e as obrigações lícitas, na hipótese de rescisão cabe analisar quem deu causa ao fato para aplicação da cláusula penal e as perdas e danos. Havendo culpa recíproca das partes, a solução é retorno ao estágio inicial do contrato sem se falar em culpa (cláusula penal) e perdas e danos.
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[1] Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

[2] Apelação Cível Nº 1.0000.21.193298-3/001


 

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