Podemos dizer que a sociedade brasileira não assimilou ainda a importância de se ter um planejamento sucessório para que a transmissão dos bens aos herdeiros e legatários possa ocorrer da maneira mais tranquila possível. Contudo, mesmo que a família seja o pilar da sociedade, infelizmente tem se visto muitos rompimentos quando o assunto é inventário.
De início, cabe destacar que não havendo um planejamento sucessório preparado, o inventário seguirá a forma da lei. Em termos de procedimento, os herdeiros têm à disposição três situações: inventário pelo procedimento comum; inventário por arrolamento sumário e inventário via cartório (extrajudicial).
Inventários litigiosos, que são obrigatoriamente processados pelo rito comum, podem passar por discussões relativas a uso exclusivo de um respectivo imóvel e obrigação de um herdeiro arcar com aluguel em favor de outro herdeiro. Seria possível pleitear a cobrança de aluguel entre herdeiros dentro do processo de inventário?
A cobrança de aluguel durante o processo de inventário é possível?
Primeiramente cabe destacar que, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos (art. 1.784, Código Civil). Na prática, isso quer dizer que com o falecimento, todos os herdeiros recebem a herança como um todo – todos são donos de tudo de forma não individualizada – até que a partilha seja homologada e os bens individualizados:
Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.
Quando falamos em processo ou procedimento de inventário, haverá sempre a figura do inventariante, que, nos termos da lei, é aquele que detém a legitimidade para responder em nome do espólio:
Art. 618. Incumbe ao inventariante:
I – representar o espólio ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, observando-se, quanto ao dativo, o disposto no art. 75, § 1º;
II – administrar o espólio, velando-lhe os bens com a mesma diligência que teria se seus fossem;
(…)
Art. 619. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:
I – alienar bens de qualquer espécie;
II – transigir em juízo ou fora dele;
III – pagar dívidas do espólio;
IV – fazer as despesas necessárias para a conservação e o melhoramento dos bens do espólio.
A discussão acerca de pagamento de aluguéis, regra geral, só existe quando o inventário é litigioso, seguindo, obrigatoriamente, o rito ordinário. As outras duas hipóteses (arrolamento sumário e extrajudicial) têm como pressuposto a existência de acordo entre os herdeiros quanto à partilha de bens.
Nesta situação então de ocupação do imóvel por um único herdeiro enquanto tramita o inventário, cabe ao inventariante exigir o pagamento dos aluguéis, valor este que deverá inicialmente ser direcionado à manutenção do espólio e posteriormente repartido entre os herdeiros.
Na ausência de qualquer movimento por parte do inventariante quanto à defesa da posse do bem, pode o herdeiro não ocupante pleitear em ação própria (arbitramento de aluguéis) o direito ao recebimento proporcional dos aluguéis pelo uso exclusivo do imóvel por outro herdeiro.
Em outras palavras, isso quer dizer que os herdeiros que utilizam imóvel ainda não partilhado devem pagar aluguel, sendo, portanto, possível haver referida cobrança entre herdeiros no curso do processo de inventário.
É possível fixar o aluguel no processo de inventário?
O inventariante, herdeiro ou legatário que pretende pleitear a fixação do aluguel deverá, primeiramente, notificar o ocupante para que cesse a posse exclusiva, ou então, que arque o aluguel do referido bem. Essa notificação tem como finalidade configurar a ilegalidade do exercício da posse exclusiva, bem como para constituir a mora do ocupante quanto ao dever de pagar aluguel.
Após a notificação, o que se via era o início de uma discussão dentro do próprio processo de inventário, nos termos do art. 612, do CPC:
Art. 612. O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.
Ocorre que os tribunais pátrios, em mudança de posicionamento, têm entendido que a fixação de aluguéis é uma discussão de alta complexidade que não se comporta dentro do processo de inventário, mesmo que seja levada toda prova documental (notificação e avaliação do imóvel):
AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – PESQUISA DE DADOS BANCÁRIOS EM PERÍODO ANTERIOR AO ÓBITO – FIXAÇÃO DE ALUGUÉIS.
– A averiguação de suposto vício em negócios feitos em vida pelo de cujus reclama ação própria, sendo impossível juridicamente sua discussão nos autos do inventário.
– O pedido de fixação de aluguéis não possui natureza sucessória, perfazendo conflito entre os herdeiros condôminos, reclamando dilação probatória incompatível com o rito do inventário. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.160857-1/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Santiago , 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 28/08/2023, publicação da súmula em 29/08/2023)
Portanto, caso não haja desocupação do imóvel, nem acordo para pagamento dos aluguéis, o inventariante, herdeiro ou legatário deverá propor ação de arbitramento de aluguéis em face do herdeiro condômino que utiliza o imóvel de forma exclusiva.
Como dividir o aluguel entre herdeiros?
O primeiro ponto aqui é saber quem faz o pedido dos aluguéis.
Se o pedido for feito pelo inventariante, que age em representação do espólio, então o valor arrecadado mensalmente deverá ser utilizado prioritariamente para manutenção do próprio espólio. Isso inclui pagar dívidas, arcar com manutenção dos bens móveis e imóveis, pagar prestadores de serviços, etc.
A divisão dos aluguéis entre os herdeiros, nesta hipótese, só deverá ocorrer após o encerramento do inventário com pagamento de todas as dívidas.
Se o pedido vier de outro ou outros herdeiros, estes somente farão jus ao recebimento direto do valor equivalente à cota parte que fazem jus no bem.
Exemplificando a situação: três herdeiros, um imóvel a ser partilhado com posse exclusiva de apenas 1 herdeiro. Neste caso, o ocupante deverá pagar ⅓ do aluguel para cada um dos outros dois herdeiros.
Se o pedido for feito pelo legatário, este como recebe o bem de forma exclusiva, terá direito a 100% do aluguel.
E se os herdeiros não realizarem os pagamentos?
Uma vez fixado o valor dos aluguéis, temos a constituição de uma obrigação líquida e certa a ser exigida do herdeiro que ocupa o imóvel de forma exclusiva.
A primeira medida coercitiva cabível, é, obviamente, a cobrança judicial desse crédito. Essa cobrança pode acabar gerando constrição de bens particulares do herdeiro, como saldo em conta, veículo, penhora de bens móveis, bloqueio de bens imóveis, etc.
Além disso, existem situações que podem envolver a desocupação do imóvel ou a extinção do condomínio entre herdeiros.
Se o processo de inventário ainda está em curso, o inventariante poderá cobrar judicialmente o débito e ainda pedir a posse do imóvel através de uma ação petitória (imissão na posse) ou possessória (reintegração de posse).
Caso o processo de inventário já tenha terminado, então o herdeiro ou demais herdeiros poderão pedir a cobrança da dívida e até mesmo uma extinção de condomínio, o que implica em venda do imóvel e partilha do seu produto.
Conclusão
Como se vê, apesar de a fixação de aluguéis não ser questão de alta complexidade, a justiça tem entendido que tal matéria foge da competência do juízo das sucessões, devendo ser pleiteada em ação própria quando não houver consenso.
O caminho a ser percorrido deve sempre iniciar com a notificação do ocupante para constituir em mora sua posse exclusiva, e posteriormente as medidas devem ser tomadas com base no estágio em que se encontra o inventário.
A indicação do caminho correto passa pela análise do caso por um advogado. Pensando nisso, nosso escritório tem corpo jurídico especializado em direito sucessório e está à disposição para lhe atender e assessorar nas medidas judiciais cabíveis.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.
Incrível texto ! Uma dúvida para ficar mais claro, eu co-herdeiro após notificar outro co-herdeiro que usa imóvel exclusivo posso pleitear em nome próprio ação de cobrança de alugueres
Roberto, obrigado pelo comentário.
Sim, após a notificação questionando a posse exclusiva, você pode buscar o judiciário para requerer a fixação do aluguel em seu favor.
Boa noite, srs Doutores.
Existe o processo de inventario em tramitação! Na inicial foi pedido a citação dos coerdeiros que usufruem do único bem do espolio foram citados. Essas citações servem como prova de oposição ao uso exclusivo do imóvel. Assim surgindo o interesser de ação de Arbitramento de Aluguel.
Raimunda,
Só servirá se constar expressamente na citação a impugnação ao uso exclusivo.
Regra geral os tribunais exigem que haja contestação da posse mediante notificação extrajudicial.
pode entrar com ação de arbitramento de alugueis mesmo sem ter feito inventario?
Cristina,
Pelo princípio da Saisine, a herança é deferida aos herdeiros logo do falecimento. Teoricamente, então, é possível pedir os alugueis mesmo que não haja a abertura do inventário. Porém, o que vemos na prática é o processo de inventário ajuizado, medidas por parte da(o) inventariante para reaver a posse, e se não for possível, as ações cabíveis (reintegração de posse ou fixação de alugueis).
Se for o inventariante quem exerce a posse, ele normalmente não toma medidas, mas isso não o isenta de prestar contas e pagar aluguel.
Excelente estudo de possibilidade. Gratidão 🙏🏻
Adrian,
Obrigado pelo comentário. Precisando de algo estamos à disposição.
Meu esposo e herdeiro de quatro imóvel sendo q tem mais 3 irmã aí elas estão no imóvel morando e um elas vendeu eu posso como sendo um dos herdeiros pedir aluguel e quanto tempo leva a ação de abritamento de aluguel p elas começarem pagar
Eunice,
O herdeiro que ocupa o imóvel de forma exsluvisa deve pagar aluguel aos demais coproprietários.
Regra geral na ação de arbitramento de alugueis o valor é fixado já no primeiro despacho para pagamento.
Tempo de processo não é possível dizer, pois isso depende muito mais do poder judiciário.
Bom dia!
Ótimo texto!
Mas uma dúvida para discussão:
Caso haja a fixação dos aluguéis no inventário, e os herdeiros não realizem os pagamentos (ao precluir a decisão que determinou o pagamento)… Como se dará a decoração destes alugueis, uma vez a decisão no inventário é interlocutória e não transita em julgado? Poderá ser feito somente após a sentença do inventário?