A palavra “juros” causa arrepio em muitos brasileiros, principalmente quando falamos de juros abusivos. Contudo, existe uma outra forma de cobrança de juros que deixa muitos consumidores em dúvida, que é o chamado juros de obra ou taxa de evolução de obra.

Essa cobrança é devida para o caso específico de aquisição de imóvel na planta através de financiamento habitacional por crédito associativo.

A modalidade de construção de imóvel por crédito associativo ajudou a fomentar bastante o setor imobiliário, pois possibilitou a compra de imóveis em construção mediante financiamento habitacional. Porém, para quem optar por essa modalidade enquanto a obra estiver em curso, haverá pagamento de juros de obra ou taxa de evolução de obra.

No presente texto vamos abordar tudo o que você precisa saber sobre juros de obra, e especialmente se é devido ou não e quando será devido.

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O que é Juros de obra / taxa de evolução de obra?

 

Juros de obra, também conhecido como taxa de evolução de obra ou taxa de obra, é uma “prestação” que se paga para o banco quando o consumidor adquire um imóvel na planta e financia o bem antes mesmo do término das obras.

Já está consolidada no mercado imobiliário a aquisição de imóveis com financiamento habitacional pela modalidade de crédito associativo. Nessa modalidade, o construtor busca recursos junto ao agente financeiro para construção do empreendimento e, com isso, a aquisição dos imóveis de forma parcelada se dá através da assinatura de contrato de financiamento habitacional com o empreendimento ainda em construção. 

Após assinar o contrato de financiamento do imóvel com o banco, este passa a ser responsável pelo adimplemento do preço da compra e venda para o construtor, sendo que os repasses de valores se dão através da avaliação de evolução da obra, liberando recursos gradativamente até o final da construção, ficando a última parcela retida para pagamento após a confirmação do término da obra com o devido registro da certidão da baixa e habite-se. 

Porém, como se trata de uma instituição financeira, esse aporte de recursos em nome do mutuário não passa ileso, e essa contraprestação é que leva o nome de juros de obra. Esse valor é destinado a cobrir o custo do capital liberado pela instituição financeira para a construtora, à medida que a construção avança.

O valor dos juros de obra é composto por uma parcela de juros sobre o saldo devedor liberado pelo banco, correção monetária e seguros (morte e invalidez permanente – MIP e danos físicos no imóvel – DFI).

Importante destacar que o juros de obra é uma prestação que se paga para o banco mas não amortiza a dívida. A amortização do financiamento somente se inicia após o encerramento das obras.

 

É legal cobrar taxa de obra?

 

Nossos tribunais têm entendido que os juros de obra são legais e podem ser cobrados pelo agente financeiro. Porém, ao estipular uma data para término das obras e entrega das chaves, o construtor se compromete a evitar que o consumidor tenha prejuízos com pagamento de juros de obra além do prazo devido. 

A cobrança dos juros ou taxa de obra é sempre feita pelo banco que concedeu o financiamento para o consumidor, enquanto a obra está em andamento, antes da entrega das chaves.

Ela será devida somente pelo período em que for estipulado de obra. 

A partir do momento em que se finaliza a obra, ou tem atraso da obra, ou seja, a obra não é encerrada no prazo fixado em contrato, torna-se indevido o pagamento dos juros de obra.

Se a cobrança dos juros de obra continuar após a entrega das chaves, tal prática pode ser considerada abusiva e ilegal, pois não há mais justificativa para a aplicação dessa taxa, uma vez que a obra já foi concluída e o imóvel foi entregue ao comprador. 

Nesse caso, o comprador já deveria estar pagando as parcelas normais do financiamento, que incluem amortização e juros, passando, sob o ponto de vista do financiamento imobiliário, da fase de construção para a fase de amortização.

 

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Como é feito o cálculo dos juros de obra?

 

O cálculo de juros de obra tem como base o valor do saldo devedor liberado pelo banco para o construtor.

Exemplificando: assinado o contrato de financiamento, tendo a obra 10% de conclusão, então o banco libera 10% do valor financiado. Se na próxima vistoria, a obra andou 40%, atingindo o patamar de 50% concluída, o banco libera mais 40% do valor do financiamento para o construtor e assim por diante.

Sobre essa base de cálculo (saldo devedor liberado), incide a correção monetária do contrato e os juros do financiamento. O resultado dessas parcelas é acrescido ao valor dos seguros obrigatórios (MIP e DFI) formando a parcela total dos juros de obra.

Esses juros de obra têm uma curva de aumento com o tempo de contrato, pois, quanto mais a obra se adianta, maior o valor liberado que compõe a base de cálculo desses juros de obra.

 

O que acontece se não pagar a taxa de evolução de obra?

 

Caso o consumidor não efetue o pagamento dos juros de obra, a construtora, por força do contrato de financiamento, é quem vai arcar com essa parcela, que, na verdade, é descontada do valor a ser repassado após a vistoria da obra pelo banco.

Vale lembrar que, se o consumidor deixa de pagar o juros de obra no período de construção, a construtora paga e depois passa a ter direito de cobrar do consumidor.

Caso haja inadimplência em relação aos juros de obra, a entrega das chaves pode ser suspensa até que o comprador quite os valores devidos.

 

Juros de obra podem ultrapassar o valor da prestação?

 

Regra geral não, juros de obra não podem ultrapassar o valor da prestação, pois a primeira prestação é calculada tendo como base o valor do saldo devedor cheio ou o valor total financiado pelo mutuário.

Como os juros de obra incidem na composição do saldo devedor e se encerram quando da entrega da última parcela pelo banco, teoricamente eles nunca incidirão sobre o saldo devedor em valor equivalente ao total do financiamento.

 

Taxa de obra amortiza o saldo devedor?

 

Conforme destacado acima, não. Taxa de obra não amortiza o saldo devedor. O juros de obra é cobrado durante o período de construção.

A amortização de saldo devedor só ocorre após o encerramento da obra.

 

Decisões interessantes dos tribunais

 

Dano moral por atraso na entrega de imóvel

Este caso que destacamos trata-se de uma ação de indenização por atraso na entrega de imóvel e discute questões relativas ao prazo de entrega e ao dano moral relacionado (Processo nº 1.0000.24.268865-3/001). 

Quanto ao prazo de entrega, a decisão enfatiza que o prazo contratual é aquele previsto no contrato de compra e venda firmado entre o consumidor e a construtora, e não o prazo estabelecido no contrato de financiamento. A construtora não pode se beneficiar de um novo prazo estipulado por uma instituição financeira, conforme já pacificado pelo TJMG.

No que diz respeito à responsabilidade da construtora pelos juros de obra, a decisão estabelece que a construtora deve ressarcir os valores pagos pelo consumidor após o prazo estipulado no contrato, incluindo o período de tolerância, quando o atraso ocorre por culpa exclusiva da construtora.

Em relação ao dano moral, o tribunal reafirma que o mero inadimplemento contratual não é suficiente para gerar o dever de indenizar. Para que haja condenação por dano moral, é necessário que a parte lesada comprove que o descumprimento contratual causou abalo emocional ou danos à sua esfera íntima, indo além dos transtornos financeiros e inconvenientes comuns ao inadimplemento.

Essa decisão está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme o Tema Repetitivo 996, que discute as condições para responsabilização por dano moral em casos de atraso na entrega de imóvel, reiterando a necessidade de comprovação de efetivo dano moral para a concessão da indenização.

Veja a ementa da decisão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL – TAXA DE JUROS DE OBRA – LEGITIMIDADE DA CONSTRUTORA – PRAZO DE ENTREGA – DANO MORAL.

  1. A legitimidade para a causa é verificada pela pertinência abstrata entre a pretensão inicial e o direito material em conformidade com as afirmações da parte na petição inicial. A construtora é parte legítima para figurar no polo passivo da ação no que tange aos juros de obra, visto que a parte autora busca o ressarcimento dos valores pagos em razão do suposto atraso na entrega da obra.
  2. O prazo para entrega do imóvel é aquele previsto no contrato de compra e venda firmado entre o consumidor e a construtora. A construtora não pode se aproveitar de novo prazo de entrega do empreendimento previsto no contrato de financiamento (TJMG – IRDR – Cv 1.0000.18.075489-7/001).
  3. A construtora deve ressarcir os valores despendidos com a taxa de evolução da obra cobrada após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância, quando o atraso se deu por sua culpa exclusiva.
  4. O inadimplemento contratual, por si só, não gera dano moral. Cabe ao requerente demonstrar que o descumprimento da obrigação gerou dano a sua esfera íntima.  (TJMG – Apelação Cível  1.0000.24.268865-3/001, Relator(a): Des.(a) Joemilson Donizetti Lopes, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/08/2024, publicação da súmula em 05/09/2024)

 

Pagamento indevido de juros de obra gera indenização contra construtora

Os juros de obra são devidos até a data prevista para término da obra, após esse prazo, tem-se por indevido. Levando como base esse raciocínio, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito de um comprador/mutuário de ser indenizado pelo pagamento de juros de obra após a entrega das chaves de sua unidade.

No caso, o mutuário teve a unidade entregue em dezembro de 2013, porém a comunicação da averbação do habite-se na matrícula da unidade para Caixa Econômica Federal somente ocorreu em novembro de 2014. Para a CEF, o empreendimento somente foi considerado acabado em novembro de 2014, razão pela qual foi cobrado do mutuário juros de obra mesmo estando ele na posse do bem (Processo nº 1.0000.19.161093-0/001).

A responsabilidade aqui se deu por omissão da construtora na obtenção e registro do habite-se, bem como a devida comunicação ao agente financeiro. Essa omissão acabou gerando prejuízo ao comprador que foi o pagamento de juros de obra além do prazo que efetivamente seria devido.

Conforme já destacamos acima, os juros de obra são devidos, mas têm o seu tempo de exigibilidade. Eventualmente, se ultrapassar o prazo previsto para entrega da unidade ou se entregue sem ter havido averbação do habite-se na matrícula e comunicação do término das obras ao agente financeiro, a responsabilidade pela taxa é exclusivamente do construtor/incorporador.

 

Construtora é condenada a pagar juros de obra para a Caixa Econômica Federal

Em caso analisado pela 1ª Unidade Jurisdicional Cível do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte, restou determinada a responsabilidade da construtora pela restituição dos juros de obra pagos indevidamente pelo mutuário, bem como a efetuar o pagamento dos juros de obra diretamente para a Caixa Econômica Federal (CEF) enquanto o empreendimento estiver em atraso:

A tese sufragada no referido incidente de resolução de demandas repetitivas não colide a proferida pelo STJ segundo a qual “Na aquisição das unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância” (Tema 996).

Assim, o prazo final para conclusão das obras, já aplicado o prazo de tolerância, seria 27.01.2023, o que inclui, por óbvio, a obtenção do “habite-se” pela construtora.

Em sua defesa, a construtora chegou a alegar que o atraso da obra se deu por fato superveniente, o que foi de pronto afastado pelo magistrado na sentença:

Por outro lado, não socorre o réu a alegação de que houve paralisação das obras por determinação do Poder Judiciário, o que configura motivo de força maior e faz com que a entrega da obra possa ser legitimamente prorrogada.
(…)
Assim, a ré tinha ciência – e se não tinha deveria ter – que quando iniciou as obras no local um terceiro possuía autorização para explorar a área, pelo que não poderia ter dado início ao empreendimento enquanto não esgotado o prazo desse terceiro ou enquanto o objeto da exploração não fosse reconhecido como inviável, que foi o que ocorreu, conforme decisão juntada no id 9771040461.
Nessa ordem de ideias, a paralisação da obra por determinação do Poder Judiciário não pode ser considerado motivo de força maior, tal como defendido pelo réu.
(…)
Diante da configuração do atraso, deverá o réu restituir os juros pagos pelo autor a título de evolução de obra, pois é a mora da requerida a causa direta da cobrança. Se tivesse ocorrido a entrega no prazo, a taxa de evolução não estaria sendo cobrada pela instituição financeira.

Ainda destacou o magistrado que o mutuário não poderia ser penalizado pela mora da construtora, ou seja, ele não poderia arcar com o prejuízo do pagamento dos juros de obra e a não amortização do seu saldo devedor junto ao banco, quando quem deu causa ao dano foi a própria construtora.

Com esses fundamentos, a sentença concluiu pelo dever da construtora de restituir os valores pagos indevidamente pelo mutuário, além de condená-la a pagar as taxas cobradas em nome do mutuário pela CEF a partir da data prevista para regularização do contrato.

Acesse aqui a decisão na íntegra.

 

Conclusão

 

É preciso ter muita atenção acerca do que se lê sobre juros de obra, pois é uma situação que não se confunde com juros capitalizados e juros abusivos.

Os juros de obra são cobrados exclusivamente de contratos de financiamento firmados antes do término de uma obra, e quando ela é construída pela modalidade de crédito associativo.

Os juros de obra possuem respaldo para cobrança durante o período de construção, sendo indevido se cobrado após o prazo previsto para entrega das chaves. Em caso de pagamento indevido, o consumidor pode propor ação de indenização contra o construtor.

Nosso escritório conta com um corpo jurídico especializado em direito do consumidor e imobiliário apto a atender a sua demanda acerca dos juros de obra. Deixe seu comentário abaixo ou entre em contato conosco.

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