Operações que envolvem empréstimo, títulos de crédito (cheque, nota promissória e duplicata), por exemplo, podem, nos termos do Código Civil, ser objeto de um contrato chamado de cessão de crédito. A ideia deste contrato é transmitir o direito ao crédito para terceira pessoa.
No artigo de hoje vamos explicar as hipóteses nas quais é possível realizar a cessão de crédito, como funciona na prática e quais os requisitos formais para que seja válida.
O que é e como funciona a cessão de crédito?
Cessão de crédito nada mais é do que a transferência de um direito creditório do credor para uma terceira pessoa alheia à relação inicial. Nos termos do artigo 286 do Código Civil, o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor.
Para que a operação seja válida, é necessário haver um instrumento particular ou público firmado entre o credor originário e o terceiro que passa a ser o novo credor. No caso de instrumento particular, é necessário estar revestido das formalidades do § 1º do art. 654 do Código Civil:
Art. 654. (omissis)
§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
Veja que, o instrumento de cessão é feito entre credor originário (cedente) e o novo credor (cessionário), porém o efeito atingirá um terceiro, que é o devedor. Para que esse instrumento (cessão) possa ser eficaz em relação ao devedor, a primeira medida a ser tomada pelo cessionário é justamente a notificação do devedor acerca do negócio jurídico e de que a obrigação deverá ser adimplida junto ao novo credor:
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
A notificação tem, além da função de tornar eficaz a cessão em relação ao devedor, de orientá-lo sobre a quem deve pagar. Isso porque, conforme dispõe o art. 292, o pagamento da obrigação ao credor originário antes da notificação da cessão o desobriga de pagar ao novo credor.
A regra disposta acima funciona muito bem para contratos de mútuo, compra e venda, etc. Quando falamos em títulos de crédito como nota promissória e cheques, a regra é um pouco diferente. Antes do vencimento do título, o mesmo poderá circular livremente independentemente de cessão, pois o pagamento pelo devedor deve se dar ao portador do título, mesmo que este não tenha sido o credor originário.
Contudo, transcorrida a data de vencimento sem o devido pagamento, o título somente poderá ser transferido a um novo credor via cessão de crédito.
A validade da cessão de crédito – requisitos formais
Ocorre que, como se trata de um instituto disposto em lei, mais precisamente o Código Civil, alguns requisitos devem ser cumpridos para que a operação – cessão de crédito – tenha validade e possa ser apresentada em face do devedor.
Listamos abaixo os requisitos impostos na lei:
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Instrumento público ou particular (§1º do art. 654 do Código Civil);
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Notificação do devedor sobre a cessão de crédito;
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Registro da cessão para o caso de cessão com garantia real (hipoteca ou alienação fiduciária);
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Cessão deve estar sempre acompanhada do título original (contrato, cheque, nota promissória).
Cessão de crédito que não respeita formalidade legal é nula
O não preenchimento dos requisitos legais para validade desse negócio jurídico é motivo de sua nulidade, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais em um caso envolvendo a cessão de um crédito de financiamento habitacional com garantia real de hipoteca.
No entendimento da 17ª Câmara Cível do TJMG (processo nº 1208462-45.2014.8.13.0024), a não formalização do negócio por instrumento público e a ausência do seu registro na matrícula do imóvel fazem com que o negócio seja nulo por não respeitar a forma prescrita em lei.
Nas razões do voto, a i. Desembargadora Aparecida Grossi destacou que:
Inicialmente, importa salientar que nos termos do art. 108 do Código Civil “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” Outrossim, para que possua validade a cessão do crédito hipotecário cujo bem dado em garantia possua valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, se mostra necessário que a transferência se dê por meio de escritura pública, devendo ser averbada no registro imobiliário, inteligência dos arts. 108 e 289 do Código Civil.
(…)
Importa ressaltar, conforme bem pontuou o il. Juiz a quo, embora a redação do art. 289 do Código Civil possa levar à conclusão diversa, na verdade, em caso de cessão de crédito hipotecário, “deverá o cessionário averbar a cessão da escritura pública no registro imobiliário. Ou seja, não se trata de mera faculdade do cessionário como aparenta a literalidade do dispositivo, mas de necessária atividade para que possa se sub-rogar nos efeitos da hipoteca em face de terceiro, protegido pela necessária publicidade do RGI – Registro Geral de Imóveis.”
No caso sub judice, analisando os documentos juntados aos autos, percebe-se que não foram observadas ditas formalidades legais, razão pela qual deve ser declarada, de fato, a nulidade da cessão do crédito hipotecário relativo Contrato de Financiamento Habitacional n° 111.064/99. Outrossim, insta gizar, nesta oportunidade, apesar de existir previsão no contrato de financiamento sobre a possibilidade de cessão do crédito hipotecário, isso, decerto, não afasta a necessidade de serem observadas as formalidades legais para a validade deste negócio jurídico.
Os pontos elencados pelo TJMG dizem respeito à ausência do preenchimento dos requisitos legais para validade do negócio, que por sua vez acabam refletindo diretamente na possibilidade de exigência da obrigação em face do devedor.
É necessário o consentimento do devedor para fazer a cessão de crédito?
Para que a cessão de crédito seja legal, não é necessário o consentimento do devedor, porém ele deve ser notificado do negócio jurídico para que ele tenha validade, bem como para que possa apresentar, de imediato, suas exceções:
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.
Se o devedor assinar o instrumento de cessão como interveniente anuente, tem-se por declarado expressamente seu conhecimento do negócio jurídico, liberando o cessionário da notificação.
Qual a responsabilidade do cedente em relação à cessão de crédito?
As responsabilidades do cedente na cessão de crédito são limitadas, mas de suma importância.
Quando a cessão de crédito se der a título oneroso (venda do crédito), o cedente não é responsável pela existência do crédito. Se a título gratuito (doação do crédito), ele será responsável pela existência do crédito somente para as hipóteses em que tiver cedido em má fé.
Regra geral, o cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor, porém as partes (cedente e cessionário) poderão firmar a garantia de solvência como uma cláusula na cessão de crédito.
Para os casos de garantia de solvência, o cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.
Conclusão
Como dito, a cessão de crédito importa na transferência de uma obrigação, porém se apresenta no âmbito jurídico como uma espécie de contrato, e como qualquer contrato, deve observar as normas prescritas em lei para que tenha validade.
Ainda que a cessão seja de suma importância para o mercado financeiro, pois ajuda na circulação de dinheiro através de compra de dívida, é uma operação que demanda atenção para validade, pois se não respeitada a forma prescrita em lei o novo credor não poderá exigir o cumprimento da obrigação em face do devedor.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.
Parabenizo a Costa & Tavares, pela excelente visão e entendimento quanto ao instituto da “Cessão de Créditos”. Grato e obrigado em compartilhar.