O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Isso é o que dispõe o art. 1.228 do Código Civil.
O proprietário de um imóvel, mesmo não tendo a posse direta do bem em razão de um contrato de locação, poderá dispor de seu imóvel através de uma venda, seja para o locatário seja para terceiros. Aqui, o que devemos observar apenas é o fato de que algumas regras específicas, definidas pela Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), precisam ser observadas.
Vamos tratar no presente texto sobre como proceder com a venda de imóvel alugado, quais os direitos das pessoas envolvidas e quais os cuidados necessários para fazer um bom negócio.
O imóvel alugado pode ser vendido?
Sim, um imóvel alugado pode ser vendido. Não há na Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) qualquer disposição legal impedindo o proprietário de anunciar e vender seu imóvel locado. Ao contrário, há até a previsão da possibilidade de venda e como devem as partes proceder:
Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar – lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Cuidados que devem ser tomados pelo comprador interessado
Aqui, a fase pré contratual, também conhecida como due diligence imobiliária, é de suma importância. Primeiramente o comprador deve verificar as questões de possibilidade de venda vinculadas ao imóvel e ao vendedor, ou seja, deverá buscar todos os documentos (certidões) que deem segurança para o negócio que será feito.
Depois disso, deverá se inteirar da situação fática do imóvel, quem o ocupa, a que título ocupa, se existe relação contratual entre ele e o vendedor e como está essa relação.
No caso da locação, é preciso saber se tem contrato de locação, qual o prazo fixado para a locação e se esse contrato foi ou não averbado na matrícula do imóvel no cartório de registro de imóveis, para fins de denúncia da locação.
Ou seja, em resumo, antes de comprar um imóvel alugado, é essencial verificar:
- A documentação do imóvel e do vendedor; e
- A existência de um contrato de locação, seu prazo e se está averbado na matrícula do imóvel cartório.
Entendendo o que a Lei do Inquilinato diz na venda de imóvel alugado
Como destacado acima, a lei do inquilinato não proíbe a venda, ao contrário, permite e regulamenta o que deve ser feito. Traremos abaixo algumas questões importantes.
Qual o prazo para desocupar imóvel vendido?
Neste ponto a lei define qual é o prazo de desocupação do imóvel locado para o caso em que há e que não há averbação do contrato de locação na matrícula do imóvel:
Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
(…)
2º A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação.
Se o contrato não estiver averbado na matrícula, o prazo para desocupar imóvel vendido (denúncia) será de 90 dias. Se averbado e fixado prazo determinado para locação, então o adquirente deverá aguardar o fim do prazo para requerer a desocupação.
O que acontece com o contrato de aluguel após a venda do imóvel?
O contrato de locação continua vigente, sub rogando o adquirente nos direitos do locador em receber o aluguel e nas obrigações contidas no art. 22 da lei do inquilinato.
O detalhe importante aqui é que a venda do imóvel faz nascer para o adquirente o direito de requerer a denúncia vazia do imóvel, desde que respeitado o prazo legal contido no § 2º do art. 8º da lei do inquilinato.
A denúncia vazia quer dizer que o locador tem a intenção de reaver o imóvel. Que quer retomar o imóvel do inquilino e que poderá fazer de forma motivada ou imotivada, de acordo com o caso em concreto e com base na lei do inquilinato.
Visitas ao imóvel
Durante o período de venda, como o proprietário escolheu vender o imóvel locado, ele poderá marcar visitas com possíveis compradores durante o período do contrato de locação, a partir do momento em que o anúncio de venda for publicado.
O inquilino deve permitir a visita/vistoria pelo proprietário/locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como admitir que o mesmo seja visitado por terceiros, ou seja, corretores de imóveis e pretendentes à compra.
Assim como o locador, o adquirente passa a ter direito de visitar o imóvel para vistorias necessárias:
Art. 23. O locatário é obrigado a:
(…)
IX – permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como admitir que seja o mesmo visitado e examinado por terceiros, na hipótese prevista no art. 27;
Vale destacar que o direito de visita não pode ser exercido de forma abusiva, ou seja, o locador ou adquirente não podem utilizar desse direito como forma de acesso irrestrito e abusivo do imóvel.
Ao firmar a locação, o proprietário transfere a posse direta do imóvel para o locatário e, por isso, as visitas para a venda de imóvel com inquilino dentro precisam ser agendadas.
Direito de preferência do inquilino na venda do imóvel
O direito de preferência do inquilino é uma disposição contida na lei do inquilinato que garante a este o direito de compra, em preferência, do imóvel que ocupa por locação.
É de suma valia para garantir a continuidade da posse e privilegiar a manutenção do bem que serve como moradia familiar.
As disposições específicas deste instituto encontram-se nos artigos 27 a 34 da Lei 8.245/91.
O que deve constar e como fazer a notificação ao inquilino?
A notificação acerca do direito de preferência deve ser feita anteriormente à venda do imóvel.
Antes de anunciar, o locador deve comunicar, via notificação, ao inquilino o seu interesse de venda do imóvel e o valor que pretende vender.
No caso de venda por valor inferior ao indicado na notificação, o proprietário deve oportunizar novamente ao inquilino o direito de preferência na proposta, por segurança e para evitar problemas, ainda que o inquilino já tenha se manifestado pelo desinteresse na aquisição.
A notificação deve ser clara e incluir todas as informações relevantes sobre a venda, como o valor, forma de pagamento e condições.
O que acontece se eu não notificar previamente o inquilino?
No caso de ausência de notificação prévia, ou preterição do direito de preferência, os direitos do locatário são de reaver perdas e danos do locador, ou adquirir o bem mediante depósito do valor da operação:
Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
Para conseguir qualquer destes direitos é necessário entrar com um processo judicial. Portanto, se o imóvel que você aluga foi vendido a terceiro sem que lhe fosse notificado, o melhor é procurar um advogado.
Existe prazo para o inquilino manifestar sua intenção de comprar o imóvel?
O locatário tem prazo legal de 30 dias para se manifestar acerca do interesse na aquisição do bem:
Art. 28. O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de maneira inequívoca, sua aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias.
No caso de não ter sido notificado, para exercício dos direitos do art. 33, o inquilino terá o prazo de seis meses contados do registro da escritura no cartório de registro de imóveis.
Se o inquilino não se manifestar no prazo, será considerado como falta de interesse na compra do imóvel. É assim que vêm decidindo os tribunais, como veremos adiante.
Procedimentos para vender imóvel com inquilino dentro
O procedimento de venda de imóvel com inquilino dentro é praticamente idêntico ao procedimento de venda de imóvel de uso próprio. O que diferencia basicamente é a questão da posse.
No caso da compra e venda com uso próprio do vendedor, é fixado em contrato prazo para desocupação do imóvel. Estando locado, o adquirente deverá denunciar a locação e respeitar o prazo do §2º do art. 8° da lei do inquilinato.
Decisões interessantes dos tribunais
Em relação a este tema, destacamos duas decisões interessantes dos tribunais.
Na primeira decisão relevante, abordou-se questões relacionadas ao direito de preferência do locatário na compra e venda de imóvel locado, estabelecido no artigo 33 da Lei 8.245/91, e reafirma princípios legais sobre notificação e validade de negócios jurídicos.
No caso em questão, foi reconhecido que o locatário preterido no exercício do direito de preferência pode optar por reivindicar perdas e danos ou pela adjudicação do imóvel, desde que respeitado o prazo de seis meses após o registro da alienação e que o contrato de locação esteja averbado na matrícula do imóvel por pelo menos 30 dias antes da venda.
O tribunal concluiu que todos os procedimentos legais necessários foram observados, garantindo a regularidade do negócio jurídico e afastando alegações de nulidade e prejuízo a partes incapazes.
Outro ponto destacado foi a validade da notificação feita ao locatário para comunicar a intenção de alienação do imóvel, uma vez que atingiu seu objetivo de dar ciência clara ao destinatário. Isso reforça a importância da notificação como requisito indispensável para a regularidade da venda, conforme determina a Lei do Inquilinato.
Veja a ementa da decisão:
EMENTA: APELAÇÃO – COMPRA E VENDA – DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO – ADJUDICAÇÃO – DECADÊNCIA – NULIDADE – PREJUÍZO DE INCAPAZ – NÃO CARACTERIZAÇÃO – OBEDIÊNCIA DOS DITAMES LEGAIS – RECONVENÇÃO – NOTIFICAÇÃO DE DENÚNCIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO – OBJETIVO ATINGIDO – VALIDADE – REVOGAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA – IMPOSSIBILIDADE.
– Nos termos do art. 33 da Lei 8.245/91, o locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
– Observados todos os ditames legais, com fim de garantir a defesa dos interesses de pessoa interditada, não há qualquer nulidade a ser reconhecida no negócio jurídico celebrado.
– É do reconvindo o ônus de provar direito impeditivo do direito do reconvinte.
– É válida a notificação que atinge o seu objetivo de dar ciência ao locatário do interesse do locador em reaver a posse do imóvel.
– Nos termos do artigo 4º, §2º, da Lei nº 1.060/50, a revogação do benefício da justiça gratuita deverá ser pleiteada pela parte interessada por meio do incidente processual de impugnação, ou de ofício pelo juiz, desde que ouvido o beneficiário no prazo de quarenta e oito horas, sob pena de ilegalidade. A não observância das formalidades previstas em lei, bem como a inexistência de comprovação de fato superveniente que tenha alterado a situação financeira do beneficiário durante o curso do processo, acarreta a manutenção do benefício. (TJMG – Apelação Cível 1.0610.10.002052-4/006, Relator(a): Des.(a) Pedro Aleixo, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/03/2015, publicação da súmula em 11/03/2015)
Na segunda decisão relevante, tratou-se de uma ação de despejo envolvendo locação não residencial, com foco na alienação do imóvel e no exercício do direito de preferência pelo locatário, conforme previsto na Lei do Inquilinato.
O tribunal destacou que é dever do proprietário notificar o locatário sobre a intenção de venda do imóvel, possibilitando o exercício do direito de preferência. Essa notificação deve conter informações claras e completas, como o valor e as condições da venda, de forma a garantir que o locatário possa tomar uma decisão informada no prazo legal de 30 dias.
A decisão também enfatizou que, caso o locatário permaneça inerte ou aceite uma proposta diferente da especificada na notificação, o proprietário está autorizado a vender o imóvel a terceiros. Neste caso específico, a corte constatou que a notificação foi realizada de maneira adequada e que a inércia do locatário configurou a ausência de interesse na aquisição do imóvel.
Veja a ementa da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. VENDA DO IMÓVEL. NOTIFICAÇÃO PARA EXERCER DIREITO DE PREFERÊNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA. INERCIA DO LOCATÁRIO. 1 – O proprietário do imóvel locado deverá notificar o locatário para exercer direito de preferência na aquisição do bem, posto a venda. 2 – A notificação deverá conter todos os elementos necessários para que o locatário não tenha dúvidas quando ao negócio e assim faça o aceite de forma consciente, dentro do prazo de trinta dias. 3 – A inércia do locatário ou a aceitação de proposta diversa daquela constante da notificação, permite que o locador ofereça o bem a terceiros. 4 – Apelo improvido. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.08.118438-4/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/04/2010, publicação da súmula em 30/04/2010)
Conclusão
Não há muito segredo na operação de venda de bem locado.
Se o proprietário respeitar o direito de preferência na venda de imóvel alugado, o negócio por si só já terá toda segurança necessária.
Por outro lado, o adquirente também tem segurança no negócio com a notificação do direito de preferência, mas deverá ter em mente que a tomada de posse do imóvel dependerá se o contrato de locação está ou não dentro do prazo determinado e averbado na matrícula do bem.
Para uma operação segura, é sempre indicado buscar auxílio de um escritório de advocacia.
Nosso escritório conta com corpo jurídico especializado em direito imobiliário, civil e contratual apto a te ajudar tanto na venda quanto na aquisição de imóvel locado. Deixe seu comentário abaixo ou entre em contato conosco.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.