Condomínios edilícios ou apenas os condomínios, como conhecidos popularmente, cada vez mais se aproximam de microssociedades que demandam regulamentação própria além do Código Civil.
Para tratar desses assuntos (regras gerais e regras de convivência) os condomínios precisam ter convenção de condomínio e regimento interno muito bem atualizados para facilitar não só sua administração, como também a convivência harmônica entre os condôminos.
Neste texto, vamos trazer a diferença entre convenção e regimento interno de condomínio, quando devem ser aplicados, hierarquia das normas dentre outros assuntos correlatos.
Convenção de Condomínio
Na hierarquia das normas que regem os condomínios, a convenção se apresenta logo abaixo do Código Civil. Ela é a responsável por tratar de assuntos como:
- administração do condomínio;
- taxa condominial;
- direitos e deveres dos condôminos (de forma superficial);
- assembleias condominiais;
- quorum de votação;
- processo de eleição do síndico e conselheiros, dentre outros assuntos.
Muitos doutrinadores entendem que com a entrada em vigor do Código Civil de 2022, as disposições da Lei 4.591/64 acerca da convenção foram revogadas, uma vez que tratadas na lei geral posterior. Aqui, vamos seguir essa linha de raciocínio e pautar o texto nas disposições do Código Civil.
O art. 1.333 do Código Civil, traz uma redação bem atualizada sobre a obrigatoriedade da existência e registro da Convenção de Condomínio:
Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
A alteração de uma Convenção de Condomínio, assim como a sua aprovação, exige a aprovação de ⅔ dos condôminos.
Já o art. 1.334 traz as disposições obrigatórias de uma convenção condominial:
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II – sua forma de administração;
III – a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;
IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V – o regimento interno.
§1º A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.
Importante destacar que o rol do art. 1.334 é taxativo quanto aos pontos apresentados, mas não limitativo. Isso quer dizer que, obrigatoriamente devem constar as disposições dos incisos I a V, bem como as disposições contidas nos incisos I a III do art. 1.332. Mas também poderão constar outras matérias que os titulares das frações ideais julgarem necessárias para o seu condomínio.
Como se vê, a Convenção de Condomínio deve ser elaborada e registrada antes mesmo do início da construção do empreendimento pelos proprietários de ⅔ das frações ideais das unidades autônomas. Caberá ainda aos titulares promover o registro da referida convenção no cartório de registro de imóveis em que estiver registrado o terreno e que serão registradas as unidades autônomas.
Regimento Interno do condomínio
O Regimento Interno, na pirâmide hierárquica das normas condomínios encontra-se na base, logo abaixo da convenção de condomínio. Tal fato não o torna dispensável, muito pelo contrário. O Regimento Interno é de suma importância para fixação de normas de convivência em um condomínio.
No Regimento Interno encontraremos direitos e deveres dos condôminos, regras quanto a mudanças, utilização de áreas comuns, como salão de festas, espaço kids, quadras e piscinas, obras, estacionamento/garagem, dentre outras situações do dia a dia de um condomínio que precisam ser regulamentadas para garantir a ordem e organização do empreendimento.
O Regimento Interno pode ser elaborado juntamente com a Convenção de Condomínio, ou se preferirem os proprietários, poderá ser elaborada após a instalação do condomínio em assembléia de condôminos própria para tratar do assunto.
Poderá a Convenção dispor sobre o quorum necessário para aprovação e ratificação de um regimento, porém, se omissa, aplica-se a regra geral de maioria simples, ou seja, maioria dos presentes na assembleia especialmente convocada para elaboração ou rerratificação do Regimento Interno.
É comum em alguns condomínios não haver um Regimento Interno para tratar das questões de convívio. Em substituição, costuma-se utilizar disposições mais genéricas da convenção, algumas regras do Código Civil e, em alguns casos, é possível identificar uma compilação de regras em várias assembleias.
Não é indicado deixar de ter um Regimento Interno, pois compilar as normas de convivência em um único documento é uma forma de facilitar a administração do condomínio.
Diferenças entre Convenção e Regimento Interno de Condomínio
Conforme destacado acima, Convenção e Regimento Interno de Condomínio são documentos diferentes e possuem funções diferentes em um condomínio. Enquanto a convenção vai tratar de regras básicas e gerais do condomínio, o regimento interno deve cuidar de regras de convivência entre os condôminos.
Em caso de haver conflito de normas entre os dois documentos, deverá prevalecer aquela disposta na Convenção de Condomínio.
Por fim, mesmo que o inciso V do art. 1.334 do Código Civil disponha que o Regimento Interno é matéria da Convenção de Condomínio, a regra geral é que ele esteja apartado da convenção, ou seja, deverá estar em documento próprio.
Vale destacar ainda que a elaboração de um Regimento Interno e o seu registro não são requisitos obrigatórios para incorporação imobiliária, assim como é a convenção.
O que prevalece em um condomínio: Convenção, Regimento Interno ou Código Civil?
Na hierarquia das normas que regem um condomínio, a primeira delas é o Código Civil, que é seguido da Convenção de Condomínio, vindo o Regimento Interno logo abaixo.
Tanto a convenção quanto o regimento interno poderão dispor de questões que não foram tratadas pelo Código Civil, mas cabe salientar que essas disposições não podem ir contra proibições impostas pelo CC.
Sempre que houver conflito entre as normas, a primeira a se sobrepor é a contida no Código Civil, seguida pela Convenção de Condomínio.
Decisões interessantes dos tribunais
Dada a complexidade que é um condomínio edilício, diversas matérias são levadas à justiça. Merecem destaque os julgados abaixo:
Forma de rateio da taxa condominial deve respeitar o disposto na convenção
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. REVISÃO DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. TAXAS E DESPESAS CONDOMINIAIS. RATEIO. DESPESAS COMUNS. FRAÇÃO IDEAL. FORMA INSTITUÍDA EM CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. VALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
– O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita (art. 1.315 do Código Civil).
– Via de regra, as despesas de condomínio devem ser rateadas na proporção das frações ideais dos apartamentos, salvo se a convenção prever situação diversa.
– Havendo previsão expressa na convenção de condomínio que corrobora a regra legal, além da inegável prévia ciência por partes dos adquirentes dos imóveis a respeito do rateio instituído, descabe ao Judiciário se sobrepor às regras previstas na convenção, pois se assim foram instituídas refletiam naquele momento a vontade dos condôminos, podendo eventual alteração ser realizada por meio de assembleia.
– Recurso desprovido.
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.23.062217-7/001, Relator: Des. Narciso Alvarenga Monteiro de Castro (JD Convocado), 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/2023, publicação da súmula em 22/11/2023)
Exclusão de condômino antissocial
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO – EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL – MEDIDA EXTREMA. Demonstradas as razões de decidir, não há falar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação. A exclusão de condômino considerado antissocial de unidade condominial é medida extrema e que deve ser encampada somente quando as penalidades administrativas previstas no regulamento interno/estatuto do condomínio e Código Civil, tais como advertência e multa, mostraram-se ineficazes. Preliminar rejeitada e recurso desprovido.
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.22.004114-9/001, Relator: Des. Manoel dos Reis Morais, 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/05/2022, publicação da súmula em 26/05/2022)
Construtora deve pagar taxa condominial de unidade não vendidas de forma integral
RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ART. 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONVENÇÃO. OUTORGA. CONSTRUTORA. TAXA CONDOMINIAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
- Cinge-se a controvérsia a discutir se a convenção de condomínio pode estabelecer, apenas para unidades imobiliárias ainda não comercializadas, o correspondente a 30% (trinta por cento) do valor integral da taxa condominial devida.
- A convenção outorgada pela construtora/incorporadora não pode estabelecer benefício de caráter subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento da taxa condominial.
- A taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência.
- A redução ou isenção da cota condominial a favor de um ou vários condôminos implica oneração dos demais, com evidente violação da regra da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002 6. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.816.039/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 6/2/2020)
É dever do síndico prestar contas à assembleia
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRIMEIRA FASE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. CONHECIMENTO DO RECURSO. PRELIMINAR REJEITADA. PRETENSÃO FORMULADA PELO CONDOMÍNIO EM FACE DE SUA EX-SÍNDICA. CONTAS APRESENTADAS EXTRAJUDICIALMENTE EM ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL. NÃO APROVAÇÃO. OBRIGAÇÃO NÃO ADIMPLIDA. PRESTAÇÃO JUDICIAL DE CONTAS NA FORMA CONTÁBIL. DIREITO DO CONDOMÍNIO. SENTENÇA MANTIDA.
I – Em razão da existência de divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o recurso cabível nos casos de decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas, deve ser aplicado o princípio da fungibilidade, conhecendo-se, pois, do presente recurso de apelação interposto.
II – Nos termos do art. 550 do CPC, “Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias”.
III – Compete ao síndico prestar contas de sua gestão à assembleia geral de condôminos, mormente quando aquelas apresentadas extrajudicialmente, em assembleia, não foram aprovadas.
IV – Recurso conhecido e não provido.
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.21.036410-5/002, Relator: Des. Vicente de Oliveira Silva , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/02/2023, publicação da súmula em 16/02/2023)
Convocação de assembleia e quorum especial para destituição de síndico
EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLEIA – CONDOMÍNIO – ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – DESTITUIÇÃO DO SÍNDICO – QUÓRUM – CONVENÇÃO – INOBSERVÂNCIA – NULIDADE – RECONHECIMENTO – MANUTENÇÃO.
- Nos termos dos arts. 1.333 e 1.334, III, do Código Civil, é a convenção de condomínio a norma interna de observância obrigatória entre os condôminos, por meio da qual se estabelecem tanto a forma de convocação das assembleias condominiais, como os quóruns para fins de deliberações a serem nelas decididas.
- Constando da convenção do condomínio a necessidade de observância de um quórum especial para fins de aprovação da destituição do síndico, não sendo este observado quando da realização da Assembleia Geral Extraordinária realizada para tal fim, o reconhecimento de sua nulidade se impõe.
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.22.135110-9/001, Relator: Des. Lúcio de Brito, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/03/2023, publicação da súmula em 13/03/2023)
Conclusão
Um condomínio pode se virar sem um regimento, mas não pode existir sem uma convenção. Ainda existem muitos empreendimentos com convenção e regimento interno desatualizados que merecem um olhar mais atento da administração do condomínio.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.