O contrato faz lei entre as partes, essa é a tradução livre e literal do princípio do pact sunt servanda. Mas e quando o contrato possui cláusulas abusivas, esta “lei” segue valendo e o contrato continua obrigatório?

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor e também com algumas inovações trazidas pelo Código Civil de 2002, a regra do contrato faz lei entre as partes passou a ser mitigada diante de inúmeros abusos praticados nas relações contratuais, em especial nas relações de consumo quando se está diante de contratos de adesão.

No presente texto vamos tratar um pouco sobre cláusulas abusivas nas relações contratuais e demonstrar alguns exemplos.

 

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O que são cláusulas abusivas ou cláusulas leoninas?

 

Cláusulas abusivas, expressão mais contemporânea do direito que substituiu a ideia de cláusulas leoninas, são cláusulas contratuais que contrariam a boa fé objetiva na relação contratual, suprimindo algum direito básico do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor não define o que venha a ser o significado de uma cláusula abusiva, porém apresenta em seu art. 51 um rol exemplificativo de situações em que uma cláusula contratual poderá ser considerada abusiva.

 

Artigo 51 do CDC

 

Sintonizado com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, o art. 51 da Lei 8.078/1990 consagra um rol exemplificativo ou numerus apertus de cláusulas abusivas, consideradas como nulas de pleno de direito nos contratos de consumo (nulidade absoluta ou tão somente nulidade).”[1] 

Trazemos o inteiro teor do art. 51 para demonstrar os exemplos do que vem a ser uma cláusula abusiva:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III – transfiram responsabilidades a terceiros;

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V – (Vetado);

VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

 

Como identificar cláusulas abusivas?

 

A identificação de uma cláusula abusiva passa primeiro por verificar a situação fática em que se encontra a parte obrigada a respeitar a cláusula em favor da outra parte. Se, da situação fática, é possível verificar que há abuso ou impedimento de exercício regular de direito, por exemplo, estaremos diante de uma cláusula abusiva.

Nas relações de consumo essa situação regra geral somente se verifica quando o contrato já se encontra em curso, pois como os contratos são de adesão (consumidor só tem a opção de dizer sim ou não pela contratação), o consumidor não tem o direito de discutir as cláusulas do contrato e prever eventual abuso futuro.

 

Causas comuns

 

Os principais responsáveis pela presença de cláusulas abusivas são os contratos de adesão e a vulnerabilidade do consumidor.

Os contratos de adesão, como são feitos pelos fornecedores de produto e serviços, visam sempre protegê-los na relação contratual. A proteção, inclusive é vista em diversas formas, como:

  • impor uma venda casada;
  • ausência de cláusula penal quando o fornecedor descumpre o contrato;
  • eximir o fornecedor do dever de indenizar os danos causados ao consumidor;
  • eximir o fornecedor da garantia contratual e legal do produto ou serviço ofertado.

Tais cláusulas, inclusive, se fazem presentes no rol de direitos do consumidor que são mais comumente desrespeitados.

 

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Já quando falamos da vulnerabilidade do consumidor, esse fator que envolve a falta de conhecimento, a necessidade de contratação imediata do produto ou serviço e o abuso psicológico do vendedor sobre o consumidor, são essenciais para coagir ou induzir o consumidor em erro quando da contratação.

O consumidor vulnerável, ou fragilizado, é capaz de contratar sem saber quais as suas obrigações, direitos e consequências que o contrato lhe causa.

 

Resolução do contrato e Multa contratual

 

Um ponto que chama muita atenção nas relações de consumo é a frequente abusividade praticada pelos fornecedores de produto e serviços referente à não inclusão de cláusula penal em seus contratos de adesão, prevendo uma penalidade para o caso de deixarem de cumprir uma obrigação contratual.

Vemos isso com muita frequência nos contratos de compra e venda de imóveis na planta, tendo sido inclusive necessário a edição de uma lei para tratar do assunto, (a Lei do distratoLei nº 13.786/2018).

Muitas pessoas que adquirem imóvel na planta possuem dúvidas sobre direitos que podem ser questionados contra as construtoras. Por isso, para auxiliar na compreensão da situação, já elaboramos um artigo contendo 7 direitos do comprador de imóvel na planta.

Também é comum identificarmos cláusulas que impliquem devolução parcelada do valor pago pelo consumidor, cláusula considerada abusiva pelo Superior Tribunal de Justiça – que já tem entendimento pacificado sobre a obrigação de devolução em parcela única dos valores pagos pelo consumidor, em caso de rescisão do contrato de compra e venda de imóvel na planta.

 

Por culpa da contratada na compra e venda de imóvel na planta

 

A cláusula de resolução contratual prevista no art. 43-A da referida Lei do distrato, por exemplo, é uma resposta à necessidade de proteger o comprador de imóveis em situações em que a entrega do bem não ocorre conforme o prazo pactuado, por culpa da construtora, ainda que no contrato não haja disposição sobre a hipótese.

O artigo dispõe que, nesta situação, o consumidor tem o direito à rescisão do contrato, com a restituição integral das quantias pagas, corrigidas monetariamente.

Art. 43-A. 

(…)

Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo [de 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento], desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

 

Por culpa do adquirente

 

Ainda, quando temos a rescisão do contrato por culpa do consumidor, cabe destacar que nunca poderá o fornecedor de produtos e serviços estipular uma cláusula penal abusiva que o desobriga da devolução de valores ao consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(…)

II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

(…)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

E conforme destacado acima, ainda que a culpa pela rescisão seja do consumidor, ele faz jus à devolução em parcela única do valor a ser restituído.

A Lei do distrato, em seu art. 67-A, também estipula um percentual máximo de retenção, de até 25% das quantias pagas, para cobrir os custos administrativos e eventuais perdas do vendedor. Essa limitação possui o intuito de evitar que cláusulas abusivas sejam utilizadas para penalizar o consumidor de forma desproporcional, protegendo-o de retenções excessivas.

Art. 67-A . Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

I – a integralidade da comissão de corretagem;

II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

 

Penalidade exclusiva ao consumidor

 

A disposição contratual de penalidade exclusiva em desfavor do consumidor pode ser objeto de revisão pelo poder judiciário, isso porque, é necessário manter-se o equilíbrio da relação colocando as partes em pé de igualdade.

Neste ponto devemos lembrar sempre dos contratos de adesão, que o consumidor não tem a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais e também da sua vulnerabilidade, que muitas das vezes é aproveitada pelo fornecedor de produtos e serviços para impor cláusulas contratuais que impliquem obrigações somente ao consumidor.

 

Contratação obrigatória de seguros

 

Sempre quando o seguro for um “contrato acessório” ao contrato principal (empréstimo pessoal, financiamento de casa ou veículo), o fornecedor não poderá nunca obrigar o consumidor a contratá-lo para obter o contrato principal.

Tal vedação encontra-se disposta no art. 39, inciso I do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: 

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Não se trata exclusivamente de uma cláusula abusiva, mas de algo maior que é uma prática comercial abusiva: a venda casada.

Vale uma ressalva aqui quanto aos contratos de financiamento habitacional. Referidos contratos já carregam consigo um seguro habitacional (MIP e DFI) obrigatório nos termos do Decreto-Lei 73/66. Será considerada venda casada, ou prática abusiva, quando o agente financeiro, além do seguro obrigatório, obriga o consumidor a contratar outro seguro prestamista pessoal, por contrato próprio.

Além disso, cada uma das tarifas cobradas em contratos de empréstimo deve possuir finalidade específica. Em nosso artigo tratamos dos principais tipos de tarifas de contrato bancário, cobradas em contratos de empréstimo pessoal, habitacional e de veículo, demonstrando os serviços relacionados e quais não são permitidas. É necessário estar atento à sua legalidade bem como à sua especificidade.

 

Contratos de adesão e as cláusulas abusivas

 

O contrato de adesão carrega consigo a característica de ser um contrato não negociável ou ausente de liberdade contratual. Trata-se de uma modalidade contratual em que o fornecedor de produtos e serviços deixa à disposição do consumidor um contrato pré estabelecido com cláusulas por ele redigidas para fins de contratação de um ou mais produtos ou serviços específicos.

Sem a liberdade contratual, o consumidor não tem a possibilidade de discutir previamente as cláusulas do contrato, cabendo a ele simplesmente dizer se aceita o contrato para ter o produto ou serviço, ou se recusa o contrato e não tem o produto ou o serviço.

Um contrato de adesão pode ou não conter cláusulas abusivas. A identificação delas depende de uma análise por um advogado e também da situação fática que envolve a relação (fase pré contratual, contratual e pós contratual).

Vale ainda destacar que a existência de cláusula ou cláusulas abusivas não obrigatoriamente invalida o contrato como um todo, conforme determina o CDC:

Art. 51. (omissis)

(…)

A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

 

Venda casada

 

Como já falamos, para atrair consumidores ou fidelizar os que já possui, é costumeiro criar estratégias comerciais que vinculam produtos e serviços. Porém, é importante que o consumidor saiba diferenciar o que é um benefício ou bônus de uma prática proibida, a venda casada.

Para auxiliar o consumidor nesta identificação, em nosso artigo, abordamos a venda casada, que é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor e que, infelizmente, ainda é muito utilizada por fornecedores de produtos e serviços, em desrespeito aos direitos do consumidor.

 

Juros abusivos

 

A cobrança de juros abusivos é um dos principais problemas enfrentados pelos consumidores no Brasil.

Em um artigo publicado em nosso blog, também destrinchamos todos os elementos que comumente compõem as parcelas de um financiamento habitacional e explicam quando os juros podem realmente ser considerados abusivos

 

É possível declarar a nulidade de uma cláusula abusiva?

 

Sempre que se deparar com uma cláusula abusiva na relação contratual, o consumidor deve buscar a sua nulidade, seja de forma administrativa (firmando novo contrato com o fornecedor de produtos ou serviços), seja através de ação própria no judiciário.

A cláusula abusiva declarada nula não produz efeitos ao consumidor. Eventual decisão que a declare nula deve determinar a restituição de direitos do consumidor bem como as indenizações cabíveis (como a indenização por danos morais), se for o caso.

No caso de acordo extrajudicial com o fornecedor de produtos e serviços, é necessário que o consumidor esteja acompanhado de advogado para não abrir mão dos direitos cabíveis em razão do cumprimento da obrigação abusiva em favor do fornecedor.

 

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Conclusão

 

A existência de uma cláusula abusiva não gera a nulidade total de um contrato, mas sim a nulidade específica dela. Regra geral é possível observar a sua existência em contratos de adesão que o consumidor não tem a possibilidade de discutir o conteúdo do contrato antes de assiná-lo, limitando-se exclusivamente a aceitar aquilo que lhe é imposto.

O consumidor precisa saber que as disposições contidas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor são meros exemplos do que vem a ser uma cláusula abusiva, e que, além disso, podem existir outras cláusulas (conforme a situação fática da relação) e outras práticas fora do contrato (art. 39, CDC) que também podem ser consideradas abusivas na relação de consumo.

Caso você tenha alguma dúvida sobre o conteúdo do seu contrato, suas obrigações contratuais e direitos, nosso escritório conta com corpo jurídico especializado em direito do consumidor apto a analisá-los e defender seus direitos em juízo. Deixe seu comentário abaixo ou entre em contato conosco.

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[1]  Tartuce, Flávio. Manual de direito do consumidor : direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves.– 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014.

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