Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Isso é o que está disposto no artigo 1.784 do Código Civil e define o que venha a ser o princípio da saisine no direito.
Na prática, o herdeiro recebe o conjunto de bens imediatamente após o falecimento, servindo o inventário como procedimento hábil a individualizar os bens e transferir a propriedade.
O herdeiro que não quiser esperar o término do inventário para vender bens poderá utilizar-se da cessão de direitos hereditários. Essa cessão também pode se dar de forma gratuita (doação).
No presente texto vamos tratar especificamente da cessão de direitos, como funciona, quais seus efeitos e quando pode ser feita.
O que é cessão de direitos hereditários?
A cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico firmado por um herdeiro que implica na venda (cessão onerosa) ou doação (cessão gratuita) de seus direitos hereditários.
Por se tratar de um negócio jurídico, ele precisa ser feito na forma da lei sob pena de ser nulo de pleno direito.
Como funciona a cessão de direitos hereditários?
A cessão de direitos hereditários pressupõe inicialmente que o inventário não tenha se encerrado ainda, ou seja, só poderá existir antes da homologação da partilha.
O herdeiro que quiser ceder a título oneroso ou gratuito seus direitos hereditários, deverá buscar um advogado especializado no tema para acompanhamento da escritura pública de cessão e elaboração do “contrato” de cessão de direitos hereditários.
Após assinada a cessão, o cedente e o cessionário deverão levar a conhecimento do juiz do inventário, ou do tabelião (em caso de inventário extrajudicial) o negócio firmado para os devidos fins de direito.
Cessão onerosa
Cessão onerosa de direitos hereditários equivale a uma “compra e venda”. Na prática, o herdeiro cedente vende seu direito hereditário a um terceiro – herdeiro ou não – que paga o preço ajustado pelo quinhão hereditário cedido.
Cessão gratuita
Cessão gratuita de direitos hereditários equivale a uma “doação”. No caso, o herdeiro cedente simplesmente doa seus direitos hereditários a um terceiro – herdeiro ou não – sem receber qualquer contrapartida financeira pela cessão.
Quais são os requisitos legais para a Cessão?
Os requisitos de validade da cessão de direitos hereditários estão devidamente dispostos no Código Civil:
Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.
§1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.
§2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.
§3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.
Art. 1.794. O co-herdeiro não poderá ceder a sua quota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto.
Art. 1.795. O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão.
Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias.
Os destaques ficam para: necessidade de se fazer por instrumento público (invalidação caso feita por instrumento particular); impossibilidade de cessão de bem singular; e necessidade de notificar os demais herdeiros sobre o interesse da cessão antes de realizá-la para terceiro alheio ao inventário.
Vantagens e desvantagens da cessão de herança
A cessão de direitos hereditários só traz vantagens para quem tem interesse de fazê-la de forma onerosa. Isso porque a cessão onerosa implica em pagamento, então nesse caso o cedente conseguiria receber valores ao invés de bens, por exemplo, e antes mesmo de haver a homologação da partilha.
Na cessão gratuita o herdeiro não recebe nada por isso, então praticamente ele abre mão de um direito em favor de outra pessoa. Talvez a única vantagem aqui seria o fato de que o herdeiro não precisaria arcar com os custos do inventário.
A desvantagem fica para possibilidade de haver deságio na operação, ou seja, o cedente regra geral vende seu direito a um preço abaixo do valor real dos bens, pois trata-se de uma situação pendente de resolução e sem prazo.
Além disso, por exigir escritura pública, a formalização do “contrato” em cartório de notas possui um custo que varia de acordo com o valor da operação (se a venda é por valor elevado, o custo da escritura também fica elevado).
Como formalizar a cessão de direitos hereditários em cartório?
O primeiro passo é buscar um advogado para orientações acerca do procedimento. Após, a questão deverá ser levada a um tabelião de notas para lavratura da escritura pública de cessão, também conhecido como contrato de cessão de direitos hereditários.
Junto ao tabelião, as partes obterão informações acerca dos documentos necessários para a escritura, que incluem documentos pessoais (identidade, CPF, certidão de nascimento/casamento) e documentos do inventário.
Diferença entre cessão de direitos hereditários e renúncia de herança
Aberta a sucessão, o herdeiro deverá se manifestar se aceita ou se renuncia a herança no todo. A aceitação pode ser expressa (formalizada) ou tácita, pelo comportamento do herdeiro. Mas a renúncia obrigatoriamente deverá se dar por escritura pública ou termo judicial, conforme determina o artigo 1.806 do Código Civil:
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
A cessão de direitos hereditários somente poderá existir após a aceitação da herança pelo herdeiro. Não coexiste renúncia a herança e cessão de direitos. E a única semelhança entre os dois atos é a de que só possuem validade se forem realizados por meio de escritura pública. Ou seja, não são válidas nem a renúncia e nem a cessão de direitos hereditários por instrumento particular.
Então, seguindo com as diferenças entre os atos, a renúncia é unilateral e o herdeiro abdica totalmente do seu direito aos bens da herança. O quinhão hereditário do renunciante, portanto, retorna ao total da herança para ser redistribuído aos demais herdeiros, sem a possibilidade de o renunciante escolher quem será beneficiado.
A renúncia de herança é irrevogável e não pode ser parcial; o herdeiro renunciante deve abdicar de todos os bens da herança (não há escolha de bens específicos).
A cessão, por sua vez, é um ato bilateral e envolve duas transferências: a primeira do falecido (de cujus) ao herdeiro, e a segunda do herdeiro ao beneficiário.
O herdeiro aceita a herança e, posteriormente, transfere seu quinhão hereditário para o beneficiário de sua escolha, que pode ser outro herdeiro ou um terceiro.
A cessão, ainda, tem implicações tributárias, incluindo a incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e, dependendo do caso, o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis).
Em resumo, a renúncia é uma abdicação completa do direito à herança sem transferência a um beneficiário específico, enquanto a cessão permite que o herdeiro aceite a herança e, posteriormente, a transfira para uma pessoa de sua escolha, seja de forma gratuita ou onerosa.
Dúvidas comuns sobre cessão de direitos hereditários
A cessão de direitos hereditários pressupõe obrigatoriamente que o cedente seja um herdeiro legítimo e que já tenha aceitado a herança. É fundamental que o cessionário certifique-se que o cedente de fato é herdeiro e que de fato a sucessão já foi aberta, pois não existe cessão de direito hereditário de pessoa viva.
O herdeiro cedente deve também atuar nessa relação com boa fé, lealdade e respeito. Só poderá fazer cessão a terceiro após ofertar o mesmo valor aos demais herdeiros e deverá provar sua qualidade de herdeiro legítimo.
É possível ceder apenas parte da herança?
A cessão de direitos hereditários se refere ao quinhão do herdeiro, ou de parte dele, e não a um bem específico da herança. A cessão é uma transferência dos direitos sobre o quinhão hereditário do herdeiro para outra pessoa e, por isso, ela nunca poderá ser de bem individualizado.
Isso porque enquanto o inventário, não finaliza, todos os herdeiros são donos de forma indivisível de todos os bens que compõem o espólio, logo, os herdeiros não possuem bens específicos para disporem. Assim, na hipótese de haver interesse na cessão, ela se dá em relação a todo o direito hereditário ou de uma porcentagem dele, mas sem indicar quais bens especificamente.
Resumindo, é possível sim ceder apenas uma parte da herança, ou seja, uma porcentagem do quinhão. O que não é possível é ceder um bem individualizado.
A venda de um imóvel específico da herança durante o inventário só pode ocorrer com autorização judicial. Para mais informações sobre este procedimento em específico, acesse nosso artigo sobre o tema: “É possível a venda de imóvel de herança durante o inventário?”.
Decisões interessantes dos tribunais
Primeiramente, destacamos uma decisão judicial que trata de um processo de inventário. Nela, o tribunal decidiu que a cessão de direitos hereditários deve ser formalizada por escritura pública para ter validade.
No caso em questão, a cessão foi feita por instrumento particular, o que não atende aos requisitos legais previstos no Código Civil. Por isso, a pretensão de levantar valores decorrentes dessa cessão foi negada, e o recurso foi desprovido.
Veja a ementa da decisão:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INVENTÁRIO – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – ESCRITURA PÚBLICA – TERMO NOS AUTOS – NECESSIDADE – RECURSO DESPROVIDO.
– O Código Civil dispõe expressamente sobre necessidade da formalização da cessão por instrumento público, devendo ser anotado que o termo “pode”, inserido no texto do artigo 1.793 do citado diploma legal, refere-se à própria cessão e não ao meio utilizado.
– No presente caso, tendo em vista que a cessão de direitos hereditários realizada entre as partes não foi formalizada por escritura pública, falece ao documento validade e eficácia para o fim pretendido.
– Embora haja entendimento jurisprudencial, ainda não pacificado com relação a possibilidade de cessão de direitos hereditários mediante termo nos autos, no caso concreto o que se pretende é o levantamento de valores depositados em decorrência de cessão de direitos hereditários por instrumento particular, sendo inviável o reconhecimento da pretensão, na medida em que o negócio jurídico não atendeu aos requisitos formais de validade, nos termos do artigo 166, IV do Código Civil. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.277611-0/001, Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 12/09/2024, publicação da súmula em 13/09/2024)
No segundo caso que destacamos, a decisão judicial aborda um agravo de instrumento em uma ação de rescisão contratual com pedido de restituição de valores pagos. No caso, a questão central é a cessão de direitos hereditários sobre um bem específico do espólio.
O tribunal destacou que tal cessão é ilícita e ineficaz, pois envolve um bem individualizado antes da partilha.
Com isso, a decisão possibilitou a devolução de cheques dados em pagamento desse acordo, por meio de tutela provisória, visando evitar prejuízos aos sacadores e a circulação indevida dos cheques.
Veja a ementa da decisão:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS – DEVOLUÇÃO DE CHEQUES – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – VENDA DE BEM INDIVIDUALIZADO – INEFICÁCIA – TUTELA PROVISÓRIA – REQUISITOS PRESENTES. Para o deferimento da tutela de urgência requer-se a existência dos requisitos constantes do art. 300 do CPC/15. O negócio jurídico de cessão de direitos hereditários envolvendo bem individualizado do espólio é ilícito e ineficaz, mostrando-se possível a devolução de cheque dado em pagamento da avença, em sede de tutela provisória, evitando-se prejuízos aos sacadores e eventual circulação da cártula. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.235109-8/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Bispo, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/03/2024, publicação da súmula em 19/03/2024)
Conclusão
A cessão de direitos hereditários é uma ferramenta interessante para quem busca receber antecipadamente valores pelos direitos que possui em uma herança sem precisar aguardar a finalização do processo de inventário.
É muito importante destacar que ela sempre deverá ser feita por escritura pública e imediatamente comunicada ao juízo do inventário ou ao tabelião responsável pela escritura de inventário para evitar que a sucessão se dê de forma equivocada.
Caso necessite realizar uma cessão ou pretenda adquirir um direito hereditário, nosso escritório é especializado em direito sucessório e contratual apto a lhe orientar em toda a operação. Deixe seu comentário abaixo ou entre em contato conosco.
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Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, pós-graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.